Debate sobre a idade Histórica: Dependência de Traduções (3 de 5)


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por John Millam
3 de julho de 2009

O choque cultural acrescenta cor a qualquer viagem. Os viajantes no exterior muitas vezes voltam para casa com histórias de barreiras linguísticas, comidas estranhas e costumes locais intrigantes. As diferenças culturais afetam não apenas as excursões pelo mundo, mas também a nossa visão dos escritos antigos, incluindo a Bíblia.

Esta série de artigos tem sido dedicada a explorar as implicações da tradução do Antigo Testamento (AT) nas interpretações da população de língua inglesa/portuguesa. Conforme observado na parte 2, o hebraico antigo é linguisticamente diferente do inglês/português moderno. Mas a linguagem não é o único obstáculo a considerar ao abordar o Gênesis – a nossa própria perspectiva cultural pode desempenhar um papel na distorção da nossa compreensão do texto antigo. Um grande abismo de tempo, localização e história separa o mundo moderno do mundo de Moisés. Assim, devemos nos prevenir constantemente contra a projeção das nossas concepções atuais no texto.

Quando C. S. Lewis estava aprendendo a ler as grandes obras da literatura antiga em suas línguas originais, ele reconheceu este importante princípio.

Eu estava começando a pensar em grego. Esse é o grande Rubicão a ser atravessado na aprendizagem de qualquer idioma. Aqueles em quem a palavra grega vive apenas enquanto a procuram no léxico, e que depois a substituem pela palavra inglesa, não estão lendo o grego de forma alguma; eles estão apenas resolvendo um quebra-cabeça. A própria fórmula “Naus significa navio” está errada. Naus e navio significam uma coisa, não significam um ao outro. Atrás de Naus, como atrás de navis ou naca, queremos ter a imagem de uma massa escura e esbelta com velas ou remos, subindo as cristas, sem nenhuma palavra inglesa intrometida. [1]

Da mesma forma que Lewis teve de superar a simples substituição de palavras inglesas por palavras estrangeiras, aqueles que desejam compreender verdadeiramente Gênesis 1 devem superar as barreiras culturais que separam a perspectiva moderna do pensamento antigo.

Exemplo 1: Tempo

Um amigo meu em particular apoia ardentemente a visão da criação em dias corridos. Certo dia, tivemos um debate que me deixou claro como é fácil ler, sem saber, nossas suposições contemporâneas nas Escrituras.

Meu amigo entendeu que o Sol, a Lua e as estrelas foram criados no quarto dia da criação (Gênesis 1:14-19), então perguntei a ele como os três primeiros dias da criação poderiam ser dias solares comuns sem o Sol. [2] Ele respondeu que a alternância da luz e das trevas (desde o primeiro dia da criação) poderia ocorrer num ciclo de 24 horas, portanto estes primeiros três dias ainda poderiam ser períodos de 24 horas. Parecendo resolver o problema, ele revelou, sem saber, um erro sutil em sua compreensão de Gênesis 1. Embora não percebesse, todo o seu argumento baseava-se em pensar no “dia” como um período fixo de tempo independente da presença do Sol. Embora estejamos condicionados a pensar desta forma hoje por causa do uso generalizado de relógios, esse conceito teria sido completamente estranho para os antigos hebreus. Portanto, esse não poderia ter sido o significado pretendido por Moisés para o texto.

Exemplo 2: Termos Genealógicos

Interpretar genealogias representa outra diferença cultural dramática. Nós as entendemos hoje como declarações detalhadas destinadas a comunicar relações específicas entre indivíduos. Naturalmente, tendemos a tratar as genealogias bíblicas como se funcionassem da mesma maneira, mas mesmo uma investigação bastante simples mostrará que não funcionam.

Como mencionado na parte 2, uma das principais diferenças é que as genealogias hebraicas eram quase sempre reduzidas (resumidas, omitindo nomes menos importantes). A genealogia de Moisés, que aparece quatro vezes distintas nas Escrituras (Êxodo 6:16-20, Números 26:57-59; e 1 Crônicas 6:1-3; 23:6, 12-13), fornece um excelente exemplo de resumo. Nessas passagens, sua genealogia é dada como de Levi (o patriarca) a Coate, daí a Anrão (e sua esposa Joquebede) e depois Moisés. Por mais simples que isto pareça, podemos usar outras passagens bíblicas para demonstrar que pelo menos seis nomes provavelmente foram omitidos entre Anrão e Moisés. [3] Apesar da evidência bíblica, alguns continuam a tentar explicar esta lacuna porque não parece natural para os leitores modernos. [4]

As antigas genealogias hebraicas preocupavam-se principalmente com a linhagem e (em geral) não comunicam o número real de gerações abrangidas. Isto inclui as genealogias de Gênesis 5 e 11. Muitos presumem que esses registros podem ser usados para construir uma cronologia exata de Adão a Abraão. Dado que são quase certamente resumidos, as tentativas de usá-los para datar a idade da Terra em cerca de 6.000 anos são criticamente falhas.

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Exemplo 3: Termos Geográficos

Um terceiro caso a considerar envolve a extensão dos termos geográficos em Gênesis. Na nossa moderna sociedade global, estamos constantemente rodeados de globos e mapas mundiais. É quase impossível não pensarmos em termos globais, mas esta perspectiva teria sido estranha a Moisés e aos seus contemporâneos. Em nenhum lugar, esta questão é mais evidente do que no relato do dilúvio de Noé. Achamos difícil ler “toda a terra” (kol ha'eretz) e “sob todos os céus” (tachat kol hashamayim) como se referindo a qualquer coisa que não seja o planeta inteiro. Entretanto, quando essas expressões são usadas em outras partes do AT, referem-se claramente a uma região local. [5] Assim, a frase “toda a terra” nas Escrituras é aproximadamente equivalente a “o mundo conhecido” (do ponto de vista dos leitores originais).

Conclusão

Existem muitos outros exemplos, mas estes ilustram suficientemente o desafio da interpretação baseada em traduções. Os pontos dados aqui correspondem às três questões mais controversas da criação: a duração dos “dias” da criação, as genealogias de Gênesis e a extensão do dilúvio de Noé. Grande parte do debate, portanto, deriva da nossa tendência de impor a nossa perspectiva e pressupostos culturais ao texto. A chave para resolver essas questões de longa data é estudar como as palavras e frases são usadas nas Escrituras – um exercício que exige muito tempo, mas que é gratificante.

Meu trabalho completo sobre este tópico ainda não foi publicado. Perguntas sobre isso devem ser direcionadas para KansasCity@Reasons.org.

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Dr. John Millam

Dr. Millam recebeu seu doutorado em química teórica pela Rice University em 1997 e atualmente atua como programador da Semichem em Kansas City.

Notas de Fim

  1. C. S. Lewis, Surprised by Joy: The Shape of My Early Life (San Diego, CA: Harcourt, 1995), 141.
  2. Discuti essa questão em torno dos eventos do quarto dia da criação na [parte 2].
  3. Uma discussão detalhada sobre por que as genealogias mosaicas devem ser ampliadas é apresentada em meu artigo, “The Genesis Genealogies”. Alguns pontos-chave estão resumidos aqui. (1) Os nomes dos pais de Moisés estão visivelmente ausentes em Êxodo 2, onde são apenas mencionados como levitas. (2) Coate nasceu antes que os israelitas entrassem no Egito (Gênesis 46:5-27; Êxodo 1:1-4). O êxodo do Egito ocorreu 430 anos depois (Êxodo 12:40-41; Atos 7:6). Como Moisés tinha 80 anos na época do êxodo, isso significa que de Coate a Anrão e a Moisés durou pelo menos 350 anos. (3) Joquebede, esposa de Anrão, é descrita como filha de Levi (Números 26:59) e como irmã do pai de Anrão (Êxodo 6:20). Isto significa que ela teria nascido junto com Coate cerca de 350 anos antes de Moisés. (4) Os descendentes de Coate no tempo de Moisés eram em média 8.600 (Números 3:27-28), dos quais 2.750 tinham entre 30 e 50 anos (Números 4:30). (5) Moisés não está listado entre os descendentes de Anrão (1 Crônicas 24.20). (6) Houve 12 gerações ligando o patriarca Efraim a Josué, filho de Num.
  4. Veja a discussão de William Henry Green, “Cronologia Primitiva: Existem Lacunas nas Genealogias Bíblicas?” Bibliotheca Sacra 47, (abril de 1890), 285-303.
  5. James Brendan Slagle, “How Far Did the Flood Waters Flow? Exegetical and Scientific Considerations on the Geographical Extent of the Biblical Deluge”, (artigo apresentado na reunião anual do Northwest chapter of the Evangelical Theological Society, 1º de março de 2003), https://www.geocities.com/jnkslagle/floodwater.htm. Exemplos de kol ha'eretz (“toda a terra”) significando uma região/área limitada (não global): “a terra ou solo (Juízes 6:37-39), um território, reino ou país (Êxodo 10:15) ou todas as pessoas que vivem nele (1 Samuel 14:25), o país de Israel em particular (Gênesis 13:9; Deuteronômio 34:1) ou todas as pessoas que vivem nele (2 Samuel 15:23), o mundo conhecido (Gênesis 47:13), ou todas as pessoas que nele habitam (Gênesis 41:57; 1 Reis 10:24), ou o planeta Terra em sua totalidade (Êxodo 19:5) ou todas as pessoas que nele habitam (Gênesis 18:25). Deuteronômio 2:25 usa tachat kol hashamayim (“sob todos os céus”) para se referir às nações da região por onde os judeus estavam viajando. (Informações retiradas de Slagle.)


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