Debate sobre a Idade Histórica: Dependência de Traduções (2 de 5)
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Observações: O texto original, ao fazer comparações de idiomas, cita a língua inglesa (a língua do autor). As referências à língua portuguesa foram introduzidas por mim. Trechos entre "{ }" são comentários, notas, acréscimos meus.
por John Millam
26 de junho de 2009
Quando olhamos para o mundo, a luz deve passar pelas lentes do olho antes que o cérebro possa processá-la. Uma boa lente trará a luz para um foco nítido; uma lente ruim irá distorcer ou obscurecer o que está sendo visto.
Da mesma forma, a linguagem fica entre nós e o texto. Se tivermos uma compreensão incompleta ou distorcida da linguagem, é provável que subscrevamos interpretações erradas. Isto é especialmente verdadeiro ao ler a tradução de um documento quando não estamos familiarizados com o vernáculo original. Uma maior diferença entre os idiomas aumenta a possibilidade de mal-entendidos. Grego, latim, inglês, português e outras línguas europeias são bastante semelhantes entre si; portanto, depender de traduções entre essas línguas apresenta relativamente poucos problemas. Por ser uma língua semítica, o hebraico é muito diferente das línguas ocidentais. Assim, o salto do grego do Novo Testamento (NT) para o inglês/português moderno é pequeno comparado ao do hebraico do Antigo Testamento (AT).
Na parte 1 desta série, salientei que a maioria dos crentes ao longo da história da igreja – incluindo teólogos – confiaram principalmente em traduções para a sua compreensão do AT. Aqui consideraremos duas maneiras específicas pelas quais o hebraico antigo é diferente do inglês/português (mas também do grego e do latim) e discutiremos as implicações que eles têm para nossas interpretações.
Poucas Palavras
O inglês, por exemplo, possui um dos vocabulários mais ricos do mundo. Dá àqueles que falam e escrevem a língua a capacidade de fazer distinções muito sutis. O Merriam-Webster's Collegiate Dictionary define aproximadamente 160.000 palavras em inglês {A título de exemplo, a edição do Dicionário Aurélio de 1986 lista 115.243 verbetes}. O hebraico antigo, por outro lado, tem um vocabulário muito pequeno. Na verdade, todo o AT foi escrito usando apenas 8.674 palavras hebraicas (e aramaicas), e essas palavras são formadas por apenas 2.552 palavras com raízes únicas. Devido à disparidade, os termos hebraicos são normalmente muito mais amplos e menos específicos do que os seus equivalentes em inglês/português. Cada palavra hebraica pode, em média, ser traduzida em várias palavras possíveis em inglês/português, dependendo do contexto. [1]
Traduzir envolve mais do que simplesmente procurar palavras em um dicionário e substituí-las por seus equivalentes em outra língua. Duas consequências devem ser consideradas. Primeiro, os tradutores devem considerar cuidadosamente o contexto de um termo para determinar o significado correto. Na maioria dos casos, uma correspondência pode ser determinada de forma inequívoca, mas, por vezes, a escolha não é clara. Em tais situações, a interpretação pode depender de como aquele tradutor específico entende a passagem, introduzindo assim suposições no texto. Em segundo lugar, com base na tradução para o inglês/português, os leitores podem presumir que o texto é mais restrito e específico do que realmente é verdade no original hebraico.
Um exemplo clássico dessa disparidade envolve termos genealógicos, como “filho” (ben), “pai” (ab) e “gerou” (yalad). Essas palavras são centrais para a nossa compreensão das genealogias de Gênesis 5 e 11 (e também trazem implicações para a questão da idade da Terra). Embora o inglês {e o português} contenha uma infinidade de termos genealógicos diferentes, o hebraico tem muito poucos. Por exemplo, este último não possui palavras separadas para “filho”, “neto”, “bisneto” e “descendente”. Todos esses termos em inglês são abrangidos pela palavra hebraica ben. Da mesma forma, ab significa “pai”, mas também “avô” e até mesmo “ancestral”. Deus se refere a Abraão como o “pai” (ab) de Jacó em Gênesis 28:13, quando, claro, ele é o avô de Jacó. Em inglês/português, isso seria considerado um erro, mas é perfeitamente preciso e literal na gramática hebraica. Os termos genealógicos hebraicos são adequados para comunicar a ancestralidade, mas, ao contrário do inglês, permanecem ambíguos quanto ao número de gerações abrangidas. Consequentemente, as genealogias hebraicas são tipicamente reduzidas (encurtadas, deixando de fora indivíduos menos importantes). Isto é muito diferente das árvores genealógicas inglesas/portuguesas, que geralmente fornecem relações genealógicas exatas. Os leitores de língua inglesa/portuguesa de Gênesis 5 e 11 podem facilmente presumir que eles estão completos (nenhuma geração foi ignorada). [2]
Sem Tempos Verbais
Em inglês/português, os tempos verbais servem para comunicar o “quando” da ação, incluindo informações sobre sequência ou duração. Os falantes de português podem escolher entre uma ampla variedade de tempos verbais para descrever uma ação. Por exemplo, “caminhar” no pretérito é “caminhou”; o pretérito imperfeito é “caminhava” e assim por diante.
Em contraste, os verbos no hebraico antigo não têm tempo verbal. Suas formas verbais relatam principalmente o estado da ação como perfeita (acabada) ou imperfeita (inacabada). [3] Por causa disso, uma palavra hebraica pode corresponder a vários tempos verbais em inglês/português. Por exemplo, quando na primeira pessoa do singular e na forma completa, o verbo hebraico com a raiz que significa “aprender” ou “estudar” tem 10 traduções possíveis diferentes: aprendi, aprendia, aprendera, estive aprendendo, tinha aprendido, além de um conjunto paralelo baseado em “estudo”. A partir disso, vemos que a localização no tempo da ação de aprender/estudar permanece indeterminada.
Os eventos do quarto dia da criação (Gênesis 1:14-19) fornecem uma das ilustrações mais impressionantes do efeito do tempo verbal. O versículo 16 declara que o Sol, a Lua e as estrelas foram “feitos” (hebraico asa) por Deus. Isso leva muitos intérpretes a acreditar que esses corpos surgiram pela primeira vez naquele dia da criação. Se isso fosse verdade, então como poderiam os três primeiros “dias” da criação ser simples dias solares se o Sol ainda não estivesse presente?
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Este aparente conflito provocou ataques à validade da Bíblia por parte de críticos pagãos nos tempos antigos, bem como por parte de céticos nos nossos dias. Para a igreja primitiva (90 – 476 d.C.), essa questão gerou mais comentários do que qualquer outra passagem em Gênesis 1–3. [4] A polêmica foi desnecessária. Asa, conforme usado no versículo 16, está na forma perfeita, indicando uma ação concluída, embora não especifique precisamente quando a ação aconteceu. [5] Em outras palavras, o ato de criar os corpos celestes poderia ter ocorrido a qualquer momento até o quarto “dia”. Gênesis 1:16 não exige que o Sol, a Lua e as estrelas se formem no quarto dia; eles poderiam, de fato, ter sido criados já “no princípio” (Gênesis 1:1).
O hebraico do versículo 16 simplesmente ensina por quem os corpos celestes foram feitos, e não quando foram feitos (como está implícito no inglês/português). [6]
Como esses exemplos ilustram, a “lente” da linguagem afeta a interpretação da Bíblia. A Parte 3 continuará a nossa exploração das traduções, observando como a nossa perspectiva cultural também afeta a forma como lemos o texto.
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Dr. John Millam
Dr. Millam recebeu seu doutorado em química teórica pela Rice University em 1997 e atualmente atua como programador da Semichem em Kansas City.
Leitura adicional
- Robert I. Bradshaw, “Creationism and the Early Church”, Creationism and the Early Church, atualizado em 25 de janeiro de 1999. https://www.robibradshaw.com/contents.htm, (acessado em 18 de maio de 2009).
- Rodney Whitefield, Reading Genesis One, (San Jose, CA: R. Whitefield Publisher, 2003).
- Rodney Whitefield, “The Fourth Creative 'Day' of Genesis”, https://www.creationingenesis.com/TheFourthCreativeDay.pdf, (acessado em 18 de maio de 2009).
Notas de Fim
- Rodney Whitefield, Reading Genesis One, (San Jose, CA: R. Whitefield Publisher, 2003), 2-15.
- John Millam, “The Genesis Genealogies”, Reasons To Believe, https://www.reasons.org/resources/non-staff-papers/the-genesis-genealogies (acessado em 18 de maio de 2009).
- Rodney Whitefield, Reading Genesis One, 2-15. Em certos casos, a ordem das palavras é usada para ajudar a comunicar a ordem temporal dos eventos. O hebraico moderno difere do hebraico antigo porque usa tempo verbal e, portanto, se comporta de maneira semelhante a outras línguas modernas.
- Os primeiros pais da igreja (já que não sabiam hebraico) associaram a criação do Sol, da Lua e das estrelas ao quarto dia, mas estavam fortemente divididos sobre como isso afetava o debate sobre a idade da Terra. Alguns (por exemplo, Orígenes, Clemente de Alexandria e Agostinho) viram isso como uma evidência clara contra a interpretação do dia civil (uma vez que não pode haver um “dia” sem o Sol). Outros (por exemplo, Teófilo de Antioquia e Basílio) defenderam a visão dos dias de calendário e deram diversas explicações para conciliá-la com os eventos do quarto dia.
- Rodney Whitefield, Reading Genesis One, 102-9.
- Normalmente, os intérpretes focam em “fez” no versículo 16, mas isso ignora os dois versículos anteriores, que são os que descrevem principalmente a obra de Deus naquele dia. O versículo 14 diz “haja” (haya) e pode ser entendido simplesmente como “apareça”. Olhando para o contexto completo, descobrimos que o quarto dia da criação concentra-se nos corpos celestes sendo claramente visíveis na Terra e em Deus atribuindo-lhes os seus papéis como marcadores do tempo. Assim, o versículo 16 serve apenas para lembrar aos leitores que foi Deus quem os criou (portanto, a criação não é um deus a ser adorado) e não é uma declaração sobre quando Deus os criou.
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Traduzido de Historic Age Debate: Dependence on Translations, Part 2 (of 5) (RTB)
Etiquetas:
língua hebraica - traduções bíblicas / das Escrituras e o debate, discussão sobre a idade do universo e da Terra - criacionismo (progressivo) da Terra velha
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