Quão firme é o “firmamento”? - Parte 1


Foto de Robson Hatsukami Morgan em www.unsplash.com
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Leia a parte 2


por Hugh Henry e Daniel Dyke
19 de novembro de 2010

Observações: Os trechos de texto entre “{ }” foram introduzidos por mim. As notações ARCpt e ARCbr usadas por mim referem-se às traduções bíblicas ARC de Portugal e do Brasil, respectivamente.

Relatividade Geral e a Palavra Hebraica Rāqîa

A física experimental confirmou recentemente* a previsão da teoria da relatividade geral de Albert Einstein de que o espaço sideral tem estrutura. Mas teria esse conceito já sido descrito em Gênesis 1 muitos séculos antes? Uma análise abrangente da complexa palavra hebraica rāqîa' parece sugerir que sim!

Rāqîa' aparece sete vezes em Gênesis 1. A Bíblia King James Version (KJV) a traduz como “firmamento”. Essa curiosa escolha de palavras é transportada para a Revised Standard Version (RSV) e para a New King James Version (NKJV). {Em português, fazem essa mesma tradução as Bíblias Almeida 21 (A21), Almeida Revista e Atualizada (ARA), Nova Almeida Atualizada (NAA) e a Nova Versão Internacional (NVI) – só para citar algumas.} No entanto, outras Bíblias modernas em língua inglesa traduzem rāqîa' de várias maneiras diferentes: “expansão” [1], “cúpula” [2], “abóbada” [2], “céu” [4], “espaço” [5] e até mesmo “horizonte” [6], “ar” [7] e “arco maciço” [8]. {As Bíblias em português traduzem rāqîa' também como: “expansão” (ARCbr, ARCpt, ACF e NBV), “espaço” (NVT), “divisão” (NTLH) e “atmosfera” (O Livro)}. Essas várias traduções parecem transmitir conceitos contraditórios, o que enfatiza o significado complexo de rāqîa'. Essa complexidade é reforçada pelo fato de que as traduções modernas costumam usar palavras diferentes e contraditórias para rāqîa' em diferentes passagens. [9]


Esta palavra significa simplesmente “expansão”. Denota o espaço ou extensão como um arco aparecendo imediatamente acima de nós. Aqueles que traduziram rāqîa' por firmamentum o consideraram como um corpo sólido…. “É claro que foi usado para denotar solidez, bem como expansão” (ênfase adicionada).

Gênesis 1:8 diz: “Deus chamou a abóbada [rāqîa'] de 'céu'” [10] (NIV). {Na NVI, consta “Ao firmamento [rāqîa'] Deus chamou céu.”} Portanto, com base na explicação de Easton, podemos dizer que a palavra rāqîa' pode se referir a “um sólido expansivo (ou em expansão) como o espaço interno e o espaço sideral”. Isso parece absurdo. As pessoas instruídas modernas sabem que o céu não é sólido e que o espaço sideral é um vácuo que geralmente consideramos nada.

O objetivo deste artigo é propor um argumento plausível de que o caráter aparentemente contraditório de rāqîa' pode ser consistente com a teoria da relatividade geral de Einstein. Embora seja preciso ter cuidado para não ler muita ciência no Gênesis, os antigos israelitas parecem ter entendido a palavra rāqîa' como transmitindo uma complexidade contraditória que pode ter prenunciado esse conceito revolucionário da física do século XX.

A Natureza do Espaço Sideral

De acordo com a relatividade geral, o espaço sideral (espaço entre os corpos celestes) não é o nada. O espaço possui uma estrutura com características físicas reais; tem um tecido que pode ser distorcido pela presença de um objeto maciço. A relatividade geral sugere que a gravidade é uma deformação do tecido do espaço em resposta a um objeto massivo (veja aqui e aqui para mais descrições da relatividade geral). Esse é um distanciamento sutil, mas significativo, da teoria da gravidade de Isaac Newton, a qual sugere uma força de atração entre quaisquer dois corpos. No entanto, as equações de Newton e Einstein para a gravidade produzem o mesmo resultado quase o tempo todo.

A ideia da gravidade como uma deformação do tecido do espaço pode ser visualizada por uma bola de gude e uma bola de boliche em uma cama elástica. Se a cama elástica estiver tensa (e não houver mais nada sobre ela), a bola de gude permanecerá onde quer que seja colocada na cama elástica. Se, contudo, uma bola de boliche for colocada na cama elástica, ela afundará no centro, distorcendo o tecido da cama elástica. Agora uma bola de gude rola em direção à bola de boliche com velocidade crescente (exatamente como Newton observou). Um objeto jogado de uma janela é como essa bola de gude. Newton diz que a gravidade da Terra puxa o objeto para o chão; Einstein diz que ela desliza pelo tecido do espaço, que foi deformado pela presença da Terra. Mas em ambos os casos, o objeto cai no chão com velocidade crescente.

A relatividade geral foi demonstrada pela primeira vez em 1919. Recentemente*, o projeto Gravity Probe B da NASA provou que existe de fato um tecido espacial; os dados também fornecem fortes indicações de que o tecido é substancial o suficiente para ser “arrastado”. A teoria das supercordas, outra teoria da física moderna, até prevê que o tecido do espaço pode ser rasgado e remendado. A teoria das supercordas não foi comprovada, mas se o tecido do espaço pode ser arrastado, rasgado e remendado, então ele assume um caráter físico muito real, embora pareça conter essencialmente nenhuma matéria. Como uma treliça, a estrutura existe como um arcabouço {alicerce, base} para a matéria – com ou sem matéria presente. Portanto, o tecido do espaço é como um sólido expansivo (ou em expansão) – mesmo que não seja um sólido. Parece, então, que o tecido do espaço se encaixa na definição tradicional de rāqîa' como “um sólido expansivo (ou em expansão) como o espaço interior e o sideral”!

De acordo com a antiga tradição hebraica, Deus está além de rāqîa'. Este conceito também é consistente com a relatividade geral, que forma a base da teoria do big bang. Essa teoria sustenta que o universo está se expandindo e pode ter um limite [11]. Um Deus-criador deve, por definição, estar do lado de fora desse limite. Esta é outra previsão bíblica surpreendente que prenuncia a física do século XX.

Traduzindo Corretamente Rāqîa'

Interpretar rāqîa' como “o tecido do espaço” parece fornecer – talvez pela primeira vez – uma tradução de Gênesis 1:20 consistente com o hebraico literal, que diz que os pássaros voam sobre o paniym (o “rosto/face” ou “superfície”) de rāqîa'. As Bíblias em inglês geralmente evitam uma tradução literal de paniym e usam palavras como “no [rāqîa'] aberto” (KJV, NASB) ou “através” de rāqîa' (RSV, NIV, NRSV). {Já as Bíblias em português, usam termos como “no céu” (NVT, VFL), “no ar” (NTLH), “no firmamento do céu” (TB) e “sob o firmamento do céu” (NVI)}. Em inglês, somente a NKJV segue o hebraico traduzindo essa passagem como “através da face” de rāqîa'. {Em português, duas traduções de Portugal se aproximam do hebraico, que são a ARCpt (“sobre a face” de rāqîa') e O Livro (“que [rāqîa'] seja atravessado por aves”)}. Contudo, o hebraico literal parece fazer sentido apenas dentro do modelo em que o rāqîa' é o tecido do espaço, caso em que Gênesis 1:20 diz: “os pássaros voam… na superfície [ou através da face] do tecido do espaço”. Essa interpretação se encaixa na teoria da relatividade geral.

Essa estrutura de modelo espacial para rāqîa' explica facilmente todos os outros usos dessa palavra em Gênesis. Por exemplo, Gênesis 1:8 define rāqîa' como “céu” (NIV) {“céu”, “Céu”, “céus” ou “Céus” nas traduções em português}, o que reafirma o modelo. Gênesis 1:6-7 diz que o rāqîa' divide a água sobre e na terra da água acima. De fato, o rāqîa' separa o vapor d'água das águas subterrâneas e superficiais; o vapor d'água é então coletado nas nuvens e convertido em chuva de acordo com as leis da física.

Gênesis 1:14-15, 17 diz que o Sol, a Lua e as estrelas estão todos no rāqîa' – e de fato estão. Cada um desses corpos celestes distorce o rāqîa' de acordo com sua massa relativa e também se move ao longo do rāqîa' distorcido em um caminho preciso observado pelos astrônomos durante séculos. Além disso, esses versos demonstram ser problemática a sugestão de que colocar os corpos celestes “dentro de” o rāqîa' implica que os antigos hebreus acreditavam que o céu ou espaço era uma cúpula sólida. Em vez disso, a Bíblia deixa claro que os antigos hebreus sabiam que os corpos celestes se moviam, começando com Gênesis 1:14, passagem em que os corpos celestes são descritos como “sirvam eles de sinais tanto das estações como dos dias e dos anos” (A21). Rāqîa' implica substância, não solidez.

Em resumo, interpretar rāqîa' como “o tecido do espaço” parece combinar muito bem com seus sete usos em Gênesis 1. Entretanto, antes de fazer uma conclusão definitiva, é necessário considerar esse modelo no contexto de seus outros usos no Antigo Testamento. E, em particular, para seguir o método científico em nossa análise, é necessário tentar falsificar esse modelo considerando as passagens problemáticas.

Dr. Hugh Henry, PhD

Dr. Hugh Henry recebeu seu Ph.D. em Física pela Universidade da Virgínia em 1971, aposentou-se após 26 anos na Varian Medical Systems e atualmente atua como professor de física na Northern Kentucky University em Highland Heights, KY.

Daniel J. Dyke, MDiv, MTh

Daniel J. Dyke recebeu seu mestrado em Teologia pelo Princeton Theological Seminary em 1981 e atualmente atua como professor de Antigo Testamento na Cincinnati Christian University em Cincinnati, OH.


Notas de fim

  1. Veja a New International Version (NIV), a New American Standard Bible (NASB), a English Standard Version (ESV) e TaNaKh (TNK, a Bíblia Hebraica).
  2. Veja a New Revised Standard Version (RSV), a New American Bible (NAB) e a Contemporary English Version (CEV).
  3. Veja a New English Bible (NEB), a Revised English Bible (REB) e a Today’s New International Version (TNIV).
  4. Veja a Message (MSG).
  5. Veja a New Living Translation (NLT).
  6. Veja a GOD’S WORD Translation (GW).
  7. Veja a New Century Version (NCV).
  8. Veja a Bible in Basic English (BBE).
  9. Este ponto torna-se aparente comparando as traduções de rāqîa' em Gênesis com as de Salmos e Daniel. Versões da Bíblia que traduzem rāqîa' como “firmamento” geralmente o fazem consistentemente, mas versões que usam outra palavra para rāqîa' não são tão consistentes. Confrontar as traduções BBE, CSB, DBY, ESV, NET, NIB, NIV e NLT de Gênesis 1:6 e Salmos 150:1, por exemplo.
  10. A palavra traduzida como “céu” {sky, no texto em inglês} aqui é shamayim, que é mais comumente traduzida como “céu” {heaven, no texto em inglês} (NKJV, NASB e ESV). Todavia, a palavra “céu” {sky}, como usada em Gênesis 1:8, parece transmitir melhor o uso tradicional hebraico de “céu” {heaven} para se referir ao céu acima e ao espaço sideral além, não ao céu de Deus, que está fora do rāqîa'.
  11. Existem várias soluções para as equações da relatividade geral, e algumas dessas soluções implicam que o universo é limitado, embora outras sugiram um universo ilimitado.


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* Na verdade, por volta de 2010, quando este artigo foi escrito.



Etiquetas:
o que diz a Bíblia sobre o firmamento - criacionismo (progressivo) da Terra velha


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