Explorando a extensão do Dilúvio - parte 1


O Dilúvio - Michel Anguier, 1648-1649 (Metropolitan Museum of Art - www.metmuseum.org)
O Dilúvio - Michel Anguier, 1648-1649
(Metropolitan Museum of Art - recorte da foto da escultura em terracota)


Observação: Onde não mencionado, as citações e referências bíblicas são da Almeida Revista e Corrigida 2009 (ARC).

Leia a parte 2 :: parte 3

por Hugh Ross
1 de janeiro de 2009
 
Em meus anos falando e escrevendo sobre questões de ciência e fé, descobri apenas um tópico que desperta um debate mais acalorado do que a idade do universo ou os dias da criação, e esse é o Dilúvio dos tempos de Noé. Frequentemente, esse evento é chamado de Dilúvio de Gênesis, e também várias outras passagens bíblicas, além da narrativa inicial (Gênesis 6-9), lançam luz sobre o que ocorreu e por quê. 

Nos extremos do espectro interpretativo, estão estas duas posições: a visão da inundação global e a visão da inundação local. A visão global diz que as águas do Dilúvio cobriram todo o planeta, destruíram todos os seres vivos e geraram todas as principais características geológicas da Terra. A visão da inundação local afirma que o evento foi relativamente menor, afetando apenas uma pequena fração do planeta e da população humana. A equipe de acadêmicos do RTB tem uma visão diferente de ambos, como ficará claro em uma série de três artigos sobre o tema. Com base no significado da palavra universal, “abrangendo todos os membros de uma categoria ou grupo”, neste caso “toda a humanidade”, nossa posição pode ser mais bem descrita como a visão do dilúvio universal.

Como acontece com praticamente qualquer controvérsia bíblica, nossa maior esperança de progredir rumo à resolução e, mais importante, extrair a verdade do texto, vem do exame de todas as passagens relevantes, de Gênesis a Apocalipse, e da aplicação de sólidos princípios interpretativos. Um desses princípios exige consideração cuidadosa do contexto, tanto histórico quanto textual. É aí que esta série começa.

Uma das palavras-chave na passagem de Gênesis é traduzida para o inglês* (português) como “a terra” (the earth). O que essa expressão significa para os leitores ingleses* dos últimos cem anos? Para aqueles com pelo menos alguma educação, imediatamente evoca a imagem do planeta Terra (Earth). Nós, modernos, pensamos em nosso habitat terrestre como um corpo astronômico aproximadamente esférico. Mas essa é uma concepção relativamente recente. A maioria das pessoas que já viveu na “terra” nunca a conheceu como um planeta e nunca a imaginou como tal.

O mesmo se aplica às referências do Antigo e do Novo Testamento ao “mundo”. Os leitores modernos pensam instantaneamente no globo. Os leitores antigos (principalmente ouvintes, porque os manuscritos e a capacidade de leitura eram limitados) nunca imaginaram uma bola terrestre. “Terra” ou “mundo” para eles significava “terra” ou implicava pessoas e sociedades.

Duas passagens familiares do Antigo Testamento narram eventos “mundiais” além do Dilúvio: Gênesis 41:56 - 42:6 e 1 Reis 10. A mesma palavra hebraica, 'eres, traduzida como “a terra” no relato do Dilúvio, é traduzida como “o mundo” nessas passagens. Portanto, seu significado é essencialmente intercambiável.

Em Gênesis 41:57 (NAA), lemos: “E TODAS as terras vinham ao Egito para comprar de José, porque a fome aumentava em todo o mundo”. Gênesis 42:5-6 esclarece que a fome se espalhou por todo o Império Egípcio e pela terra de Canaã. “O mundo” neste contexto refere-se a uma região importante da civilização humana, e não ao globo inteiro.

O escritor de 1 Reis 10:24 (NAA) declara que “Todo o mundo queria ver Salomão para ouvir a sabedoria que Deus tinha posto no coração dele”. Mais uma vez, os versículos seguintes esclarecem o que “todo o mundo” abrangia. Os governantes vieram de lugares tão distantes quanto Sabá (atual Etiópia) e de todas as terras da Arábia; provavelmente não veio gente da Antártida ou da Groenlândia.

Referências geograficamente restritas ao mundo também podem ser vistas no Novo Testamento. Em Atos 2:5, Lucas descreve os judeus que viviam em Jerusalém como “judeus, varões religiosos, de todas as nações que estão debaixo do céu.” (NAA). A maioria dos intérpretes da Bíblia concordaria que esta passagem não inclui necessariamente os maias, astecas ou chineses. Testes de DNA confirmam que nenhum judeu do primeiro século veio da Mesoamérica ou do Extremo Oriente.

Em Romanos 1:8, Paulo diz sobre os cristãos romanos: “em todo o mundo é anunciada a vossa fé”. Em Colossenses 1:6 ele escreve: “que já chegou a vós, como também está em todo o mundo; e já vai frutificando, como também entre vós”. Algumas traduções de Lucas mencionam o decreto de César Augusto de tributar “o mundo”. Para cada uma dessas passagens, o contexto indica a referência do escritor ao mundo romano, a extensão do império romano.

Em todas essas e outras passagens da Bíblia, as palavras traduzidas como “todo o mundo”, “o mundo inteiro”, “todas as nações debaixo do céu” e “em todo o mundo” referem-se a regiões geográficas ou geopolíticas um pouco menos extensas do que a superfície de todo o planeta Terra. Portanto, pode-se razoavelmente concluir que as referências em Gênesis 6-8 a “a face de toda a terra” e “debaixo de todo o céu” não precisam implicar um evento globalmente extenso.

A extensão do pecado humano e o julgamento de Deus serão tratados na parte 3.


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* Como mencionado logo acima, o texto original deste artigo está em inglês; portanto, seu autor refere-se à língua inglesa e aos falantes dela.



Etiquetas:
visão do criacionismo (progressivo) da Terra velha sobre o Grande Dilúvio - interpretação bíblica - grande inundação universal, mundial nos tempos do patriarca Noé - teologia


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