Debate sobre a Idade Histórica: Criação Ex Nihilo (1 de 4)

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Leia também: Parte 2 - Parte 3 - Parte 4 - "Parte 5"

por John Millam
16 de junho de 2008

Em outubro de 2007, comecei uma série TNRTB (Today's New Reason to Believe - Novas Razões para Acreditar Hoje) discutindo minha pesquisa sobre como a igreja entendeu Gênesis 1 e a idade da Terra ao longo de sua história. (...)* esta série se concentrará em como os teólogos anteriores interpretaram versículos bíblicos específicos ou lutaram com questões relativas à idade da Terra.

O tema da criação tem recebido atenção considerável ao longo da história da igreja; no entanto, uma questão destaca-se consistentemente como a mais importante – a criação ex nihilo. A criação ex nihilo (literalmente “criação do nada”) sustenta que a matéria não é eterna, mas que Deus a trouxe à existência pelo Seu próprio poder. Essa doutrina recebeu afirmação universal desde os primeiros dias do cristianismo e até antes disso, no judaísmo. Foi até colocada no mesmo nível de outras doutrinas essenciais, como a encarnação de Jesus, o nascimento virginal, a morte física e a ressurreição, e foi formulada antes da doutrina da Trindade.

A criação ex nihilo recebe seu apoio mais forte em Gênesis 1:1, que afirma que Deus criou (hebraico bárá') “os céus e a terra” (ou seja, todo o universo físico). Bárá' é a palavra hebraica mais forte usada para transmitir a atividade criativa de Deus. Muitos outros versículos bíblicos apoiam essa imagem da criação, como Neemias 9:5-6; Salmos 33:6; Provérbios 3:19; Isaías 44:24; Jeremias 32:17; João 1:3; Colossenses 1:16; Hebreus 1:2; 11:3 e Apocalipse 4:11.

O testemunho mais importante de uma crença na criação ex nihilo vem das declarações dos credos da Igreja. Os credos da igreja primitiva são declarações curtas desenvolvidas para definir a ortodoxia cristã e refutar heresias. Encontramos Deus como Criador afirmado em três credos primitivos.

O Credo dos Apóstolos (século I ou II) ensina Deus como “Criador do céu e da terra”.

O Credo de Nicéia (325 d.C.) e o Credo Niceno (381 d.C.) declaram que Deus é o “Criador do céu e da terra, e de todas as coisas visíveis e invisíveis”.

Essas declarações de crenças são importantes porque são aceitas por todos os crentes (protestantes, católicos e ortodoxos). Começando com a Reforma, os credos foram substituídos por catecismos e confissões de fé mais longos e detalhados, que foram desenvolvidos para estabelecer sistematicamente a crença cristã protestante. Entre elas, encontramos as declarações mais definitivas de criação ex nihilo.

A Confissão de Augsburgo (Alemanha, 1530) declara que Deus é “o criador e conservador de todas as coisas visíveis e invisíveis” (artigo 1).

Confissão Francesa (França, 1559): “cremos que Deus… criou todas as coisas, não somente o céu, a terra e tudo que nela existe, mas também os espíritos invisíveis…” (artigo 7).

A Confissão Escocesa (Escócia, 1560) afirma “… todas as coisas que há no céu e na terra, visíveis e invisíveis, foram criadas…” (artigo 1).

Confissão Belga (Holanda e Bélgica, 1561): “Cremos que o Pai... criou, do nada, o céu, a terra e todas as criaturas, quando bem Lhe aprouve” (artigo 12).

O Catecismo de Heidelberg (Alemanha, 1563) afirma que Deus “criou,  do nada, o céu e a terra e tudo o que neles há…” (questão 26).

Segunda Confissão Helvética (Suíça, 1566): Deus é o criador de “todas as coisas visíveis e invisíveis” (capítulos 3 e 7).

Trinta e nove artigos (Inglaterra, 1563): Deus é “o Criador e Conservador de todas as coisas visíveis e invisíveis” (artigo 1).

Artigos Irlandeses (Irlanda, 1615): “No início dos tempos, quando nenhuma criatura existia ainda, Deus, somente pela sua palavra, no espaço de seis dias, criou todas as coisas…” (artigo 18).
Confissão de Fé de Westminster (Inglaterra, 1647): “Aprouve a Deus… criar ou fazer do nada, no espaço de seis dias, e tudo muito bom, o mundo e tudo o que nele há, visíveis ou invisíveis” (4.1).

Assim, doze declarações de credo proeminentes (das 17 que estudei) ensinam Deus como Criador, com três ensinando muito explicitamente a criação ex nihilo (nenhuma afirma que a matéria é eterna). Essas declarações abrangem uma vasta gama de denominações (luteranos, anglicanos e calvinistas) em grande parte da Europa e são muito representativas da igreja como um todo, e não de indivíduos.

Gostaria de salientar um ponto importante antes de prosseguir. Hoje, a duração dos dias da criação, a natureza das genealogias de Gênesis e a extensão do Dilúvio ocupam um lugar central no debate da era moderna. Ao contrário da criação ex nihilo, nenhuma dessas questões foi alguma vez considerada como sendo questões de ortodoxia, nem foram incluídas em quaisquer declarações de credo proeminentes. Os pais da igreja primitiva consideravam a criação ex nihilo uma doutrina chave e colocaram-na ao lado da encarnação, morte e ressurreição de Jesus (descritas na parte 2 e parte 3 desta série), mas essas outras questões nunca foram faladas em termos exclusivos e dogmáticos – até tempos recentes.

As informações aqui apresentadas são baseadas em pesquisas não publicadas. Dúvidas a respeito devem ser direcionadas ao autor (KansasCity@reasons.org).

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Dr. John Millam

Dr. Millam recebeu seu doutorado em química teórica pela Rice University em 1997 e atualmente atua como programador da Semichem em Kansas City.

Leitura Adicional:

  • William S. Barker, “The Westminster Assembly on the Days of Creation: A Reply to David W. Hall”, Westminster Theological Journal 62, n.º 1, (2000): 113-20.
  • Robert Bradshaw, “Creationism and the Early Church”.
  • Robert Lethem, “‘In the Space of Six Days’: The Days of Creation from Origen to the Westminster Assembly”, Westminster Theological Journal 61, n.º 2, (1999): 149-74.
  • Kenneth Richard Samples, A World of Difference, (Grand Rapids, MI: Baker Books, 2007).

Notas de Fim

  1. W. E. Vine, M. F. Unger, W. White, Jr., Dicionário Vine (Rio de Janeiro: CPAD, 2002), 51-52. {O número das páginas aqui se refere à edição em inglês.}
  2. Duas advertências importantes aqui. Primeiro, minha pesquisa sobre as declarações de credo atualmente só vai até a Reforma, então minha declaração só se aplica àqueles nesse período de tempo. Em segundo lugar, a afirmação de que a criação ocorreu “no espaço de seis dias” aparece nos Artigos Irlandeses e na Confissão de Fé de Westminster. Em nenhum dos casos, porém, o significado dos dias é definido; portanto, as declarações requerem apenas que a criação tenha ocorrido durante um período de tempo (ou seja, não instantâneo), sem especificar a duração desses períodos (ver Barker).

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* Um trecho do texto original foi omitido porque apesar de citar e fazer referência a artigos anteriores, na verdade, tem link apontando para este mesmo artigo e para o artigo 2 desta série.




Etiquetas:
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