Debate sobre a Idade Histórica: Dependência de Traduções (1 de 5)


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Leia também: Parte 2 - Parte 3 - Parte 4 - Parte 5

Observação: Trechos entre "{ }" são comentários, notas, acréscimos meus.

por John Millam
19 de junho de 2009

Hoje em dia, há uma variedade desconcertante de traduções da Bíblia para você escolher. Como sabemos qual escolher? Que diferença isso faz, afinal? Para a maioria dos propósitos, qualquer tradução servirá. Contudo, no debate sobre a idade da Terra, selecionar a tradução correta faz uma grande diferença.

Desde 2007, tenho abordado diferentes aspectos do debate sobre a idade histórica em Today’s New Reasons to Believe, com o propósito de produzir iluminação sobre a disputa moderna a respeito da idade da Terra, estudando o que teólogos e estudiosos escreveram sobre essa questão ao longo do tempo, nos últimos 2.000 anos. Até agora, forneci uma visão geral, examinei a doutrina da criação ex nihilo e discuti o início dos tempos. Antes de entrarmos numa discussão detalhada de Gênesis 1, mais uma questão deve ser abordada: o impacto de confiar nas traduções da Bíblia.

Esta questão está entre os fatores mais importantes – embora mais negligenciados – que influenciam o debate sobre a idade {do universo e da Terra}. Embora tenhamos a sorte de ter boas traduções em inglês {e português} disponíveis hoje, elas nunca conseguem comunicar perfeitamente o texto original. Além disso, grandes lacunas no tempo e na cultura nos separam do público inicial do Antigo Testamento (AT). Nesta série de cinco partes, discutirei como a dependência das traduções da antiga língua hebraica do AT afeta as interpretações de Gênesis 1–11 ao longo da história.

Os Pais da Igreja Primitiva

Após a morte dos apóstolos, a liderança da igreja foi passada para vários teólogos e estudiosos conhecidos coletivamente como os primeiros pais da igreja. Devido à época em que viveram (90 – 476 d.C.), é natural supor que estes homens pós-apostólicos estavam mais próximos, em língua e cultura, dos escritores da Bíblia do que estamos hoje.

Esta suposição prova-se, em grande parte, verdadeira para o Novo Testamento, mas o AT é outra questão. Antes de Jerônimo e Teodoro de Mopsuéstia, no final do século IV, nenhum dos primeiros pais da igreja era fluente em hebraico. [1] Antes disso, sabe-se que apenas Orígenes (século III) fez esforço para aprender hebraico, embora provavelmente nunca tenha alcançado a fluência. Assim, durante os primeiros 350 anos após os apóstolos, o debate sobre os dias da criação dentro da igreja baseou-se quase inteiramente nas traduções gregas e latinas do AT. Desta forma, uma visão de Gênesis 1 baseada no grego/latim tornou-se enraizada antes de qualquer pai da igreja atingir a fluência em hebraico.

A falta de estudos em hebraico na igreja primitiva é uma surpresa, considerando que o cristianismo nasceu dentro da matriz do judaísmo. Jesus, os apóstolos e os escritores do Novo Testamento (sem incluir Lucas) eram todos judeus fiéis. Eles saberiam hebraico (ou pelo menos aramaico) e teriam acesso às ideias judaicas sobre Gênesis – mas permanecem em silêncio sobre a idade da Terra e os dias da criação. [2] Durante grande parte do período apostólico (c. 30 – 90 d.C.), a igreja era predominantemente judaica na sua composição, centrada em Jerusalém e funcionava como parte da comunidade judaica. A destruição de Jerusalém e do templo pelos romanos em 70 d.C. marcou o início de um rápido declínio no número de crentes judeus. Estes acontecimentos, combinados com o influxo substancial de convertidos gentios, significaram que, em meados do século II, a igreja pós-apostólica era fortemente dominada por não-judeus. Esses convertidos falavam grego ou latim, mas não hebraico, e tinham pouca ligação com a cultura e tradição judaica.

Todos os primeiros pais da igreja incluídos neste estudo vieram de origens não judaicas. Eles levaram uma perspectiva greco-romana para dentro da igreja. Assim, a cultura e a língua gregas, e não o hebraico, foram uma força motriz na compreensão do Gênesis pela igreja primitiva.

Teólogos Posteriores

A dependência das traduções do AT continuou durante a Idade Média (séculos VI ao XV). Durante esse tempo, a Vulgata Latina era a Bíblia oficial da Igreja Católica Romana. O ressurgimento do interesse em estudar a Bíblia em suas línguas originais não ocorreu até a Reforma (séculos XVI a XVII). Deve-se ter em mente, contudo, que durante quase quinze séculos antes da ascensão do protestantismo, as interpretações baseadas no grego e no latim estabeleceram o modelo para a interpretação de Gênesis.

Nessa época, também assistimos a um crescimento explosivo de traduções em línguas comuns, que foi um elemento essencial da Reforma. Embora essas traduções tenham aumentado muito o acesso dos leigos às Escrituras, isso ainda significava que muitos permaneciam não familiarizados com a versão original da Bíblia.

Primeiros Escritores Judeus

Visto que o cristianismo emergiu do judaísmo, é importante considerarmos também as obras dos primeiros escritores judeus. Eles estavam linguística e culturalmente mais próximos do hebraico original, o que dá um valor significativo às suas opiniões sobre o relato da criação em Gênesis. Seus predecessores, os autores do AT, simplesmente acreditavam que os sete “dias” em Gênesis formavam a base do padrão do sábado. [3]

Uma preocupação com a idade da Terra e questões relacionadas não surgiu no pensamento judaico até a introdução da filosofia e da língua gregas. A helenização – o processo de difusão das ideias gregas para outras culturas – começou para valer depois das conquistas de Alexandre, o Grande (século IV a.C.). Ao longo dos séculos seguintes, os judeus que viviam fora de Israel tornaram-se progressivamente helenizados e, portanto, falavam e liam grego (aqueles que viviam em Israel mantiveram, em grande parte, o hebraico).

Nossa principal fonte de informação sobre a reação judaica à invasão do helenismo são os apócrifos e outras obras intertestamentárias. Estes são uma coleção de escritos judaicos, em sua maioria anônimos, abrangendo o período entre o fim do AT e a destruição do templo judaico no primeiro século. Esta era viu o desenvolvimento de uma declaração clara da doutrina da criação ex nihilo, que rejeitou a popular noção grega de matéria eterna. Além disso, esses escritos pouco nos dizem sobre como os judeus desse período entendiam a criação ou a idade da terra além do que Gênesis 1 ensina diretamente.

A única exceção a essa regra é o Livro dos Jubileus (140 – 100 a.C.), que assume que os dias da criação são simples dias solares e que as genealogias de Gênesis 5 e 11 podem ser usadas para construir uma cronologia até Abraão. Contudo, Jubileus deve ser usado com cautela porque contém muitos enfeites lendários nos relatos do AT, o que foi feito para encorajar os judeus a guardar a lei e evitar a helenização. [4]

Os dois escritores judeus mais importantes que surgiram no primeiro século foram Filo e Josefo. Seus escritos influenciaram o pensamento dos primeiros pais da igreja. Filo forneceu o mais extenso comentário judaico sobre Gênesis. Ele rejeitou categoricamente a interpretação do dia civil; entretanto, seu trabalho mostra influência do pensamento grego e, portanto, não representa uma perspectiva hebraica pura. Josefo, um historiador judeu e contemporâneo de Filo, também discutiu Gênesis 1, mas permaneceu ambíguo quanto à natureza dos dias da criação.

Conclusão

Dado que a maioria dos crentes ao longo da história da igreja não estudou o AT diretamente em hebraico, é importante examinar quais implicações isso tem para o debate sobre a idade. Em meu estudo, é possível identificar pelo menos três maneiras distintas pelas quais essa confiança nas traduções influenciou as interpretações das pessoas sobre Gênesis 1–11:

  • fatores linguísticos (a serem discutidos na parte 2);
  • fatores culturais (parte 3);
  • questões associadas a traduções específicas (parte 4).

Concluirei na parte 5, com uma análise do que isso significa para nós hoje.    

Meu trabalho completo sobre este tópico ainda não foi publicado. Perguntas sobre isso devem ser direcionadas para KansasCity@Reasons.org.

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Dr. John Millam

Dr. Millam recebeu seu doutorado em química teórica pela Rice University em 1997 e atualmente atua como programador da Semichem em Kansas City.

Leitura adicional

  • Rodney Whitefield, Reading Genesis One, (San Jose, CA: R. Whitefield Publisher, 2003).

Notas de Fim

  1. Robert I. Bradshaw, “Creationism and the Early Church”, Creationism and the Early Church, atualizado em 25 de janeiro de 1999. https://www.robibrad.demon.co.uk/Contents.htm (acessado em 18 de maio de 2009). Consulte a Tabela 1.1 para uma listagem detalhada.
  2. Alguns alegaram que Jesus e vários dos Apóstolos eram criacionistas da Terra jovem, mas não há base para tal afirmação. Claramente, eles acreditavam que Gênesis era real e histórico, mas essa ideia é igualmente compatível com o criacionismo da Terra Antiga.
  3. O padrão do sábado é “trabalhar seis e descansar um”, independentemente da unidade real de tempo envolvida. Quando esse padrão é aplicado à semana de trabalho humano (Êxodo 20:8-11; 23:12), o intervalo é de um dia solar (24 horas), mas quando aplicado à terra (Êxodo 23:10-11; Levítico 25:1-7), o intervalo é de um ano civil. O princípio do sábado é suficientemente geral para permitir um sábado de sábados (Levítico 25:8-55). (Este ano especial foi chamado de ano do Jubileu e se seguiu a sete sábados terrestres de sete anos.) Se Moisés tivesse pretendido que o conceito de um período de descanso fosse definido estritamente como “descansar no sétimo dia (24 horas)”, então esses outros usos do sábado nas Escrituras não fariam sentido.
  4. Joseph B. Lumpkin, The Book of Jubilees (Blountsville, AL: Fifth Estate, 2006), 6–15. Pretendo discutir os Jubileus com mais detalhes no futuro; portanto, passei por isso rapidamente aqui.


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Etiquetas:
traduções bíblicas / das Escrituras e o debate, discussão sobre a idade do universo e da Terra - criacionismo (progressivo) da Terra velha


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