Debate sobre a Idade Histórica: Criação Ex Nihilo (2 de 4)


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Leia também: Parte 1 - Parte 3 - Parte 4 - "Parte 5"

por John Millam
23 de junho de 2008

A doutrina da criação ex nihilo (“criação a partir do nada”) tem sido ensinada de maneira firme e uniforme ao longo da história da igreja e foi declarada em importantes declarações de credo (detalhadas na parte 1). Para compreender por que esta era uma doutrina tão vital, precisamos primeiro considerar a visão contrastante que prevalecia em todo o mundo greco-romano na época de Cristo.

Os filósofos gregos sustentavam, em grande parte, que a matéria era eterna e incriada porque a noção de um ponto de partida para tudo lhes parecia absurda. Nesta visão, a matéria teria existido num estado caótico e sem forma até que os deuses a transformassem nas coisas que vemos hoje. (A matéria era vista como má ou desprezível, por isso os deuses não a teriam criado. A sua criação era por vezes relegada ao Demiurgo.) A visão dos gregos opunha-se diretamente à visão judaico-cristã de que só Deus é eterno e que tudo foi trazido à existência por Ele (ou seja, criação ex nihilo). Assim, a origem do universo foi um campo de batalha decisivo entre o politeísmo greco-romano e o monoteísmo judaico-cristão.

As primeiras declarações da criação ex nihilo remontam a fontes judaicas anteriores à época de Cristo. Isto não é surpreendente, uma vez que essa doutrina era tão importante para eles como para a igreja primitiva. Por exemplo, Segundo Macabeus (um escrito judaico não-canônico, século 2 a.C.) afirma:

“Digna-te olhar, meu filho, para o céu e para a terra e vê tudo o que existe neles. Reconhece que Deus não o criou de coisas que já existissem, e da mesma forma criou a raça humana.” (2 Macabeus 7:28 BPT09DC)

Outras obras judaicas pré-cristãs reafirmaram esta ideia (ver Robert Bradshaw, Creationism and the Early Church [Criacionismo e a Igreja Primitiva], capítulo 2). O Pastor de Hermas (século II) é a primeira obra cristã a delinear esta doutrina.

“Deus, que habita nos céus, que do nada criou os seres…” (Hermas, O Pastor, Visão 1.1)

(Dois pais posteriores, Irineu de Lião e Orígenes, citaram essa obra em defesa da criação ex nihilo.) Uma afirmação ainda mais definitiva vem de Taciano (século II).

“Com efeito, a matéria não é sem princípio como Deus, nem por ser princípio é igual a Deus em poder, mas foi criada e não foi criada por outro, e sim por aquele que é criador de todas as coisas.” (Taciano, Discurso contra os Gregos 5)

A crença de que somente Deus é eterno e incriado é central para o monoteísmo bíblico; portanto, a matéria não pode ser eterna (para não ser elevada ao status de um segundo deus). Em outra passagem, Taciano afirma:

“A coisa se explica assim: é fácil de constatar que toda a construção do mundo e a criação inteira é feita de matéria e que a própria matéria foi produzida por Deus; …” (Taciano, Discurso contra os Gregos 12)

Ainda outro importante professor da criação ex nihilo é Teófilo de Antioquia (século II).

“Os céus são obra sua; a terra é realização sua; o mar é criação sua; o homem é figura e imagem sua; o sol, a lua e as estrelas são elementos seus, feitos para medir sinais, medida de tempo, dias e anos, para utilidade e serviço dos homens. E Deus fez tudo do não-ser para o ser, a fim de que por suas obras seja conhecida e compreendida a sua grandeza.” (Teófilo de Antioquia, Para Autólico 1.4)

Atenágoras (século II), filósofo ateniense convertido ao cristianismo, também atesta a veracidade do conceito de criação ex nihilo. Em seu Petição em Favor dos Cristãos, ele escreveu ao Imperador Marco Aurélio para protestar contra a perseguição romana aos cristãos. Nele, ele refuta uma série de acusações feitas contra os cristãos, incluindo a absurda acusação de que os cristãos eram “ateus”. (Esta acusação provavelmente surgiu do fato de os cristãos não adorarem o imperador ou os deuses greco-romanos.) Ao abordar esta acusação, ele escreve:

“Nós, porém, distinguimos Deus da matéria e demonstramos que uma coisa é Deus e outra a matéria, e que a diferença entre um e outro é imensa, pois a divindade é incriada e eterna, contemplável apenas pela inteligência e pela razão, mas a matéria é criada e corruptível. Não é irracional chamar-nos de ateus?” (Atenágoras, Petição em Favor dos Cristãos 4)

Atenágoras aponta que os cristãos distinguiam claramente entre o Deus verdadeiro (que criou tudo) e a matéria temporal (como as estátuas dos “deuses”).

Daqueles da Igreja primitiva que escreveram sobre este assunto, todos são inequívocos, exceto dois – Justino Mártir (século II) e Clemente de Alexandria (século III). Ambos os homens estudaram filosofia grega antes de se tornarem cristãos.

Justino Mártir escreveu que Deus criou a partir de matéria “sem forma” (Primeira Apologia 59). Suas referências a Platão e à matéria “sem forma” levaram alguns a questionar se Justino sustentava a criação a partir de matéria preexistente, na linha dos filósofos gregos. Entretanto, ele provavelmente sustentou (ao contrário de Platão) que foi Deus quem criou esta matéria “sem forma”, que Ele posteriormente transformou em coisas durante os dias da criação. Isto é, Deus criou a matéria (Gênesis 1:1); essa matéria era inicialmente disforme e caótica (Gênesis 1:2); e Ele então formou o mundo que observamos (Gênesis 1:3-31). [1] Assim, Justino manteve a criação ex nihilo e rejeitou a matéria eterna. Outra evidência de que ele acreditava na criação ex nihilo é que seus dois alunos – Taciano e Teófilo – a ensinaram claramente.

As declarações de Clemente sobre a criação são igualmente pouco claras para permitir a especulação de que ele seguiu as ideias gregas. Olhando mais de perto, porém, parece que ele acreditava na criação ex nihilo. Tal como Justino, ele acreditava que os gregos roubaram muitas das suas ideias de Moisés e das Escrituras Hebraicas e podia, portanto, apelar ao fato de alguns filósofos gregos acreditarem na criação. Especificamente, ele descreveu o universo “como derivado dele [o Criador] somente e surgindo da inexistência” (Diversos 5.14*, também conhecido como Stromata). Ele também argumentou que a matéria não poderia ser sua própria criadora com base na lei de causa e efeito (Diversos 8.9).

A Parte 3 continuará esta exploração dos primeiros pais da igreja em termos do que eles escreveram sobre esta doutrina crítica.

As informações aqui apresentadas são baseadas em pesquisas não publicadas. Dúvidas a respeito devem ser direcionadas ao autor (kansascity@reasons.org).

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Dr. John Millam

Dr. Millam recebeu seu doutorado em química teórica pela Rice University em 1997 e atualmente atua como programador da Semichem em Kansas City.

Leitura Adicional:

  • Robert Bradshaw, “Creationism and the Early Church”.
  • Robert Lethem, “‘In the Space of Six Days’: The Days of Creation from Origen to the Westminster Assembly”, Westminster Theological Journal 61, n.⁰ 2, (1999), 149-74.
  • Kenneth Richard Samples, A World of Difference, (Grand Rapids, MI: Baker Books, 2007).
  • Rodney Whitefield, Reading Genesis One, (San Jose, CA: Rodney Whitefield Publishers, 2003).

Notas de Fim

  1. Em parte, Justino deriva erroneamente a ideia de que a matéria foi criada “sem forma” a partir de uma pobre tradução grega de Gênesis 1:2. Esse versículo ensina que antes dos seis dias da criação, a terra era “sem forma e vazia” (NVI, ARC e A21, por exemplo). O hebraico aqui é difícil. Uma tradução melhor do hebraico tōhô wābōhû seria um deserto desolado (ver Whitefield, p. 43-46). Nessa visão, os céus e a terra existiam como entidades distintas, mas ainda não estão prontos para serem habitados.

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* A citação aqui é a tradução direta da citação como aparece no artigo original, em inglês. Não foi consultada a obra Diversos em português.


Etiquetas:
criação em Gênesis - criacionismo da Terra velha - pais da Igreja sobre a criação


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