Debate sobre a Idade Histórica: Início dos Tempos


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Leia também: Parte 1 - Parte 2 - Parte 3 - Parte 4


Observação: Trechos entre "{ }" são comentários, notas meus.

por John Millam
14 de julho de 2008

Anteriormente, observamos que a igreja ensinou por unanimidade a doutrina da criação ex nihilo ao longo de sua história {veja os links acima para as partes 1 a 4}. Esta foi considerada doutrina fundamental e foi até incluída nas principais declarações do credo. A doutrina da criação ex nihilo tem, no entanto, uma implicação curiosa: o início dos tempos. Em outras palavras, se a matéria teve um começo (isto é, não é eterna), então o tempo não deveria ter um começo também?

Essa questão inspirou especulações ponderadas por parte dos primeiros pais da igreja, mas também provocou fortes críticas por parte dos seus homólogos greco-romanos, que acreditavam que o início dos tempos era absurdo e incoerente. Um argumento comum contra a noção bíblica de um começo era a simples pergunta: “O que Deus estava fazendo antes de criar o mundo?” Para a maioria dos gregos, a solução óbvia era sustentar que a matéria era eterna e incriada; portanto, não houve “antes”. A criação ex nihilo e sua noção de começo representaram um desafio apologético significativo para a igreja.

É importante notar que a crença no início dos tempos é diretamente apoiada pelas próprias Escrituras em pelo menos duas passagens:

[...] graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos dos séculos, [...] (2 Timóteo 1:9 ARC, ênfase adicionada)

[...] Deus, que não pode mentir, prometeu antes dos tempos dos séculos, [...] (Tito 1:2 ARC, ênfase adicionada)

Esse tempo teve um começo e foi amplamente reconhecido pela igreja primitiva; no entanto, houve pouco acordo sobre como entendê-lo. Pelo menos seis ideias diferentes foram apresentadas por diferentes pais da igreja.

O tempo começou com o primeiro dia da criação — Justino Mártir (século II) argumentou que o tempo foi criado junto com os céus (Discurso Exortativo aos Gregos 33). Ou seja, os corpos celestes são necessários para marcar a passagem do tempo; portanto, não poderia haver tempo antes de existirem corpos para marcar a sua passagem. Ele associou especificamente o início dos tempos ao primeiro dia (Gênesis 1:5). Ele, contudo, não abordou a questão mais complicada, que é saber o que Deus estava fazendo antes deste início.

É um mistérioIrineu (século II) respondeu à objeção grega “o que Deus estava fazendo antes do princípio, antes de criar o mundo”, afirmando que a “resposta à questão está no próprio Deus” (Contra as Heresias 2.28.3). Ele afirmou firmemente que houve um começo, mas reconheceu que as Escrituras silenciavam sobre o que isso significava.

O tempo começou com o quarto dia da criação — Esta posição é semelhante à visão defendida por Justino Mártir, exceto que associa especificamente o início dos tempos com a criação do Sol, da Lua e das estrelas no quarto dia da criação. Clemente de Alexandria (século III, Diversos 6.16) e Tertuliano (século III, Contra Marcião 2.3) ocuparam esta posição e também o estudioso judeu Filo (século I, Interpretações Alegóricas 1.2).

Ciclo dos mundos — Orígenes (século III) desenvolveu a resposta mais original à objeção grega ao começo. Ele reconheceu que as Escrituras ensinam que o nosso mundo teve um início num passado recente (menos de 10.000 anos antes) e que será destruído por Deus no futuro. Assim, embora o nosso mundo tivesse um início no tempo, Deus criou e destruiu uma longa série de mundos antes disso e fará o mesmo no futuro (Primeiros Princípios 3.5.3). Isto significa que o nosso mundo teria um início definido no tempo, enquanto não houve um início absoluto para o próprio tempo. Consequentemente, Deus estaria continuamente criando e destruindo mundos, de modo que não haveria nenhum ponto em que Deus ficaria ocioso, respondendo assim à objeção grega.

O início aplica-se apenas ao reino visível — Basílio (século III) argumentou que o mundo visível (material) dos sentidos teve o seu início no passado recente. O reino invisível (espiritual e intelectual), entretanto, teria existido antes da criação do mundo visível. (Se o reino invisível teve um começo ou não, não foi declarado.) O “no princípio” (Gênesis 1:1), portanto, era apenas uma referência ao nosso mundo visível, e o tempo começou no primeiro dia da criação (semelhante a Justino Mártir).

Um começo absoluto do tempo — Agostinho (século V) argumentou que o tempo teve um começo absoluto – não houve “antes” do começo. Isso eliminou as objeções pagãs ao tornar inerentemente sem sentido a questão da atividade de Deus “antes” do início (Confissões 11.30(40)).

Ao considerar o desacordo sobre a natureza do “começo”, é fácil descartar isto como um mero exercício teológico. Tal como acontece com a criação ex nihilo, o debate sobre o tempo tem implicações para nós no presente. A noção de um começo era repugnante para os gregos e outros durante os primeiros dias da igreja, mas rapidamente começou a dominar o pensamento ocidental à medida que o cristianismo se espalhava. Essa ideia continuou praticamente incontestada até a época de Immanuel Kant (século XVIII) que propôs um universo eterno (incriado) (“Criação Ex Nihilo”, parte 4).

A visão de Kant dominou a ciência até que Einstein introduziu sua teoria geral da relatividade no início do século XX. A nova teoria levou ao desenvolvimento do modelo do "big bang" e ao reconhecimento de que a matéria tem um começo (isto é, criação ex nihilo). De 1967 a 1970, Roger Penrose, Stephen Hawking e George Ellis formaram seus teoremas de singularidade, que demonstraram que o espaço e o tempo também devem ter um começo (ver Hugh Ross*). Esses avanços científicos confirmaram o que Agostinho tinha argumentado 15 séculos antes, com base na sua compreensão das Escrituras. Que maravilhosa vindicação do ensino bíblico.

As informações aqui apresentadas baseiam-se em pesquisas atualmente inéditas. Dúvidas a respeito devem ser direcionadas ao autor (KansasCity@reasons.org).

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Dr. John Millam

Dr. Millam recebeu seu doutorado em química teórica pela Rice University em 1997 e atualmente atua como programador da Semichem em Kansas City.

Notas de Fim

  1. Robert Bradshaw, “Creationism and the Early Church”.
  2. Hugh Ross, The Fingerprint of God, 2ª ed., (Colorado Springs, CO: NavPress, 1991).
  3. Hugh Ross, Creator and the Cosmos, (Colorado Springs, CO: NavPress, 1993).
  4. Kenneth Richard Samples, A World of Difference, (Grand Rapids, MI: Baker Books, 2007).


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* O link para essa referência não estava presente no artigo original postado em reasons.org quando acessado em abril de 2024. Pode ser também que a referência aponte para os dois livros de Ross listados na parte Notas de Fim.



Etiquetas:
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