Mas os relógios se replicam? Abordando um desafio lógico ao Argumento do relojoeiro
Mecanismo de relógio (Imagem de fineluart em NighCafé Studio) |
por Fazale Rana
22 de janeiro de 2020
As coisas eram melhores no passado do que são hoje? Depende de a quem você pergunta.
Sem dúvida, há algumas coisas que eram melhores em anos passados. E, claramente, há algumas atitudes e costumes históricos que, hoje, achamos difícil acreditar que nossos ancestrais consideravam uma parte aceitável da vida diária.
Não são apenas atitudes e costumes que mudam com o tempo. As ideias também mudam — algumas para melhor, outras para pior. Considere a maneira como a ciência evoluiu, particularmente o estudo de sistemas biológicos. A maneira como abordamos o estudo de sistemas biológicos era melhor no passado do que é hoje?
Depende de quem você perguntar.
Como um criacionista da Terra velha e proponente do design inteligente, acho que a abordagem que os biólogos adotaram no passado era melhor do que hoje por uma razão simples. Antes de Darwin, a teleologia era central para a biologia. No final dos anos 1700 e início e meados dos anos 1800, os cientistas da vida viam os sistemas biológicos como o produto de uma Mente. Consequentemente, o design estava na frente e no centro da biologia.
Como parte da revolução darwiniana, a teleologia foi posta de lado. O mecanismo substituiu a agência, e o design não fazia mais parte do constructo da biologia. Em vez de refletir o design proposital de uma Mente, os sistemas biológicos eram agora vistos como o resultado de mecanismos evolucionários não guiados. Para muitas pessoas na comunidade científica de hoje, a biologia é melhor por isso.
Antes de Darwin, as ideias moldadas por pensadores (como William Paley) e biólogos (como Sir Richard Owen) ocupavam o centro do palco. Hoje, suas ideias foram abandonadas e são frequentemente satirizadas.
Mas, avanços em minhas áreas de especialização (bioquímica e pesquisa sobre origens da vida) justificam um retorno à hipótese do design, indicando que pode muito bem haver um papel para a teleologia na biologia. De fato, como argumento em meu livro The Cell's Design (O design da célula), os insights mais recentes sobre a estrutura e a função das biomoléculas nos trazem de volta às ideias de William Paley (1743-1805), revitalizando seu Argumento do relojoeiro para a existência de Deus.
Na minha opinião, muitos exemplos de biomaquinaria de nível molecular se destacam como análogos estritos de máquinas feitas pelo homem em termos de arquitetura, operação e montagem. As biomaquinarias encontradas no interior da célula revelam uma diversidade de forma e função que reflete a diversidade de designs produzidos por engenheiros humanos. A relação um-para-um entre as partes de máquinas feitas pelo homem e os componentes moleculares de biomáquinas é surpreendente (por exemplo, o gancho do flagelo). Acredito que o caso de Paley continua a ganhar força à medida que os bioquímicos continuam a descobrir novos exemplos de máquinas biomoleculares.
O Desafio dos Céticos
Apesar da poderosa analogia que existe entre máquinas produzidas por projetistas humanos e máquinas biomoleculares, muitos céticos continuam a desafiar o argumento do relojoeiro revitalizado em bases lógicas, argumentando na mesma linha de David Hume. [1] Esses céticos afirmam que existem diferenças significativas e fundamentais entre biomáquinas e criações humanas.
Em uma interação recente no X (Twitter), um cético levantou exatamente essa objeção. Aqui está o que ele escreveu:
“[Objetos e máquinas projetados por humanos] se replicam com variação hereditária? Má analogia, erro de categoria. O mesmo que Paley fez com seu relógio no pântano séculos atrás.”
Em outras palavras, sistemas biológicos se replicam, enquanto dispositivos e artefatos feitos por seres humanos não. Essa diferença é fundamental. Tal dessemelhança é tão significativa que enfraquece a analogia entre sistemas biológicos (em geral) e máquinas biomoleculares (especificamente) e designs humanos, invalidando a conclusão de que a vida deve derivar de uma Mente.
Esta não é a primeira vez que encontro essa objeção. Ainda assim, não a acho convincente porque não leva em conta máquinas feitas pelo homem que, de fato, se replicam.
O Autoconstrutor Universal de Von Neumann
Na década de 1940, o matemático, físico e cientista da computação John von Neumann (1903–1957) projetou uma máquina hipotética chamada construtor universal. Esta máquina é um aparato conceitual que pode pegar materiais do ambiente e construir qualquer máquina, incluindo ela mesma. O construtor universal requer instruções para construir as máquinas desejadas e para construir a si mesmo. Ele também requer um sistema de supervisão que pode alternar entre usar as instruções para construir outras máquinas e copiar as instruções antes da replicação do construtor universal.
O construtor universal de von Neumann é um aparato conceitual, mas hoje os pesquisadores estão ativamente tentando projetar e construir máquinas autorreplicantes. [2] Muito trabalho precisa ser feito antes que máquinas autorreplicantes sejam uma realidade. Entretanto, um dia as máquinas serão capazes de se reproduzir, fazendo cópias de si mesmas. Em outras palavras, a reprodução não é necessariamente uma qualidade que distingue máquinas de sistemas biológicos.
É interessante para mim que uma descrição do construtor universal de von Neumann tenha semelhança notável com uma descrição de uma célula. De fato, no contexto do problema da origem da vida, os astrobiólogos Paul Davies e Sara Imari Walker notaram a analogia entre os sistemas de informação da célula e o construtor universal de von Neumann. [3] Davies e Walker acham que essa analogia é a chave para resolver o problema da origem da vida. Eu concordaria. Contudo, Davies e Walker apoiam uma origem evolucionária da vida, enquanto eu sustento que a analogia entre células e o construtor universal de von Neumann acrescenta vigor ao argumento revitalizado do Relojoeiro e, por sua vez, ao caso científico para um Criador.
Em outras palavras, a objeção de reprodução ao argumento do Relojoeiro tem pouco a seu favor. A autorreplicação não é a base para ver máquinas biomoleculares como fundamentalmente diferentes de máquinas criadas por projetistas humanos. Em vez disso, a autorreplicação se destaca como mais um atributo de sistemas bioquímicos semelhantes a máquinas. Ela também destaca a sofisticação de sistemas biológicos em comparação com sistemas produzidos por projetistas humanos. Estamos muito longe de criar máquinas que sejam tão sofisticadas quanto as máquinas encontradas dentro da célula. Porém, à medida que continuamos a nos mover nessa direção, acho que o caso de um Criador se tornará ainda mais convincente.
Quem sabe? Com revelações como essas, talvez um dia retornaremos aos bons e velhos tempos da biologia, quando a teleologia era primordial.
Recursos
{Os artigos já foram traduzidos e publicados aqui no blog, com exceção daquele marcado com " * ".}
- Cell's Design: How Chemistry Reveals the Creator's Artistry (O design da célula: Como a química revela a arte do criador) por Fazale Rana (livro)
- “Nova abordagem resolve o problema da origem da vida?” por Fazale Rana (artigo)
Máquinas Biomoleculares e o Argumento do Relojoeiro
- “Nova descoberta aumenta evidências de design” por Fazale Rana (artigo)
- “Um relógio bioquímico encontrado em uma célula” por Fazale Rana (artigo)
- “O caso provocativo do design: nova descoberta destaca o caráter semelhante ao de uma máquina do flagelo bacteriano” por Fazale Rana (artigo)
- “Produzindo o caso do design inteligente” por Fazale Rana (artigo)
- “Complexos de proteínas da cadeia de transporte de elétrons renovam o caso de um criador” por Fazale Rana (artigo)
- “Máquinas de Turing bioquímicas “reiniciam” o Argumento do relojoeiro” por Fazale Rana (artigo)
Respondendo Aos Desafios do Argumento do Relojoeiro
- “Automontagem de máquinas de proteínas: evidências de evolução ou criação?” por Fazale Rana (artigo)
- “Abordando as preocupações de um crítico e o caso do design inteligente” por Fazale Rana (artigo)
- “Nanodevices Make Megascopic Statement”* (Nanodispositivos fazem uma declaração megascópica) por Fazale Rana (artigo)
- “Uma cornucópia de evidências para o design: embalagem de DNA do vírus T4” por Fazale Rana (artigo)
Notas de fim
- “Sempre que você se afasta, no mínimo, da similaridade dos casos, você diminui proporcionalmente a evidência; e pode, finalmente, levá-la a uma analogia muito fraca, que é confessadamente passível de erro e incerteza”. David Hume, “Dialogues Concerning Natural Religion”. in Classics of Western Philosophy, 3 ed., ed. Steven M. Cahn, (1779; repr., Indianapolis: Hackett, 1990), 880. {Em português, o livro de Hume tem por título Diálogos sobre a religião natural.}
- Por exemplo, Daniel Mange et al., “Von Neumann Revisited: A Turing Machine with Self-Repair and Self-Reproduction Properties”, Robotics and Autonomous Systems 22 (1997): 35-58, https://doi.org/10.1016/S0921-8890(97)00015-8; Jean-Yves Perrier, Moshe Sipper e Jacques Zahnd, “Toward a Viable, Self-Reproducing Universal Computer”, Physica D: Nonlinear Phenomena 97, n.º 4 (15 de outubro de 1996): 335–52, https://doi.org/10.1016/0167-2789(96)00091-7; Umberto Pesavento, “An Implementation of von Neumann’s Self-Reproducing Machine”, Artificial Life 2, n.º 4 (versão de 1995): 337–54, https://doi.org/10.1162/artl.1995.2.4.337.
- Sara Imari Walker e Paul C. W. Davies, “The Algorithmic Origins of Life”, Journal of the Royal Society Interface 10 (2013), doi:10.1098/rsif.2012.0869.
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Traduzido de But Do Watches Replicate? Addressing a Logical Challenge to the Watchmaker Argument (RTB)
Etiquetas:
exobiologia - astrobiologia - argumento a partir do design
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