Máquinas bioquímicas de estados finitos apontam para um criador infinito
Cálculos (Imagem de Richard D Shute em NighCafé Studio) |
por Fazale Rana
22 de setembro de 2021
Durante meu tempo como estudante de pós-graduação estudando bioquímica na Universidade de Ohio, passei muitos dias longos — e noites — trabalhando nos laboratórios abrigados no Edifício Clippinger, lar dos departamentos de química e física.
Às vezes, a única comida que eu tinha disponível para mim — particularmente durante aquelas noites tardias que se transformavam nas primeiras horas da manhã — eram os lanches da máquina de venda automática na área comum do segundo andar.
Infelizmente, a máquina de venda automática nem sempre funcionava. Não era incomum entrar na área comum e encontrar alguém batendo na máquina em frustração.
Uma máquina de venda automática é uma instanciação física de uma máquina abstrata chamada máquina de estados finitos. (Mais sobre máquinas de estados finitos [MEFs] abaixo.) Recentemente, uma equipe de biofísicos da Universidade da Califórnia, São Francisco (UCSF) descobriu que organismos unicelulares pertencentes ao grupo Euplotes empregam uma MEF bioquímica. Esta máquina regula o comportamento de "caminhada" dessas criaturas unicelulares à medida que elas atravessam superfícies sólidas usando apêndices semelhantes a pernas chamados cirros. [1]
Essa percepção tem implicações científicas de longo alcance, apontando para um modelo geral que pode explicar o comportamento sofisticado exibido por muitos tipos diferentes de organismos unicelulares. O trabalho também carrega implicações filosóficas — até mesmo teológicas — significativas. Ele contribui para o argumento revitalizado do Relojoeiro para a existência de Deus e seu papel necessário na origem e no design da vida, como apresentei pela primeira vez em meu livro The Cell's Design (O design da célula).
Para apreciar completamente o significado filosófico desta descoberta, um pouco de informação de fundo sobre MEFs é necessária.
Máquinas de Estados Finitos
MEFs são consideradas máquinas abstratas que os matemáticos criaram para funcionar como ferramentas matemáticas para modelar processos computacionais. Muitos exemplos do mundo real de MEFs podem ser facilmente encontrados ao nosso redor. Além de máquinas de venda automática (que pegam nosso dinheiro em troca de um lanche desejado), outros exemplos incluem catracas, elevadores, semáforos e fechaduras de combinação.
MEFs são definidas por um conjunto de estados e entradas que disparam transições de um estado para outro (que podem ou não ser predeterminados). Uma MEF pode existir em qualquer um de seus estados definidos. E pode mudar ou transitar para outro estado com base em uma sequência de eventos ou entradas apresentadas à MEF.
É claro que, se a quantia incorreta de dinheiro for inserida na máquina de venda automática, ela não mudará de estado porque a entrada não corresponde ao valor predeterminado para a entrada 1 ou entrada 2.
Em seu estado inicial (I), a máquina de venda automática é abastecida com lanches que foram colocados em um suporte, esperando para serem dispensados. Quando um cliente faminto coloca a quantia correta de dinheiro na máquina (entrada 1) e então seleciona seu lanche de escolha (entrada 2) — geralmente pressionando uma sequência predeterminada de números e letras no painel de controle — a máquina de venda automática muda de estado (de I para A), entregando o item alimentar desejado. Se o cliente digitar uma sequência diferente de números e letras (entrada 3), a máquina de venda automática fará a transição para um estado diferente (de I para B), entregando o item alimentar alternativo.
Uma MEF pode ser pensada como um tipo de computador mecânico que tem memória limitada e é restrito pelo número de estados que o definem. Em algumas máquinas de venda automática, a mesma sequência de eventos (entradas) pode desencadear um conjunto diferente de ações dependendo do estado específico da MEF. Por exemplo, se o item de lanche desejado não estiver mais disponível na máquina de venda automática, digitar a sequência prescrita de números e letras não acionará mais a transição de um estado para o outro — pelo menos, em algumas máquinas de venda automática — porque neste estado inicial (I'), a máquina de venda automática não está mais abastecida com o item de lanche desejado e não pode fazer a transição de I' para A.
Uma MEF Bioquímica
Aprendi algumas lições valiosas durante meus estudos de graduação e pós-doutorado. Uma delas é esta: às vezes, quando as coisas dão errado durante um experimento, elas podem levar a um avanço científico significativo — se você estiver disposto a prestar atenção.
Esse foi o caso de Ben Larson, um cientista molecular da vida na UCSF. Larson ficou frustrado com predadores unicelulares que contaminaram e invadiram seus experimentos, comendo as células que ele estava tentando estudar. [2] Finalmente, ele descobriu que os invasores pertenciam ao gênero Euplotes. Esses organismos unicelulares vivem em ambientes de água doce e salgada. Eles se movem nadando, mas também podem andar em superfícies usando apêndices em sua parte inferior.
Euplotes eurystomus (imagem de Proyecto Agua em Flickr, CC BY-NC-SA 2.0) |
Larson e dois colaboradores se interessaram em como os Euplotes “andavam” em superfícies. Seu comportamento de caminhada é sofisticado e complexo, lembrando a marcha exibida por organismos multicelulares complexos com cérebros e sistemas nervosos. Na verdade, o comportamento de alguns organismos unicelulares é tão complexo e sofisticado — aparentemente direcionado por algum tipo de controle interno — que alguns biólogos chegaram a especular que os organismos unicelulares possuem um tipo de sistema nervoso rudimentar. Mas eles não possuem.
Então, como os Euplotes coordenam o movimento de seus cirros enquanto caminham por superfícies?
Ao realizar uma análise quadro a quadro de vídeos de Euplotes caminhando sobre uma superfície de vidro (na qual Larson e seus colaboradores mapearam a posição de cada cirro e modelaram matematicamente os movimentos do organismo), os pesquisadores concluíram que algum tipo de controle interno estava de fato direcionando e coordenando os movimentos dos cirros.
Eles especularam que o controle interno era exercido por uma rede de microtúbulos logo abaixo da superfície da célula. Os cirros são compostos de microtúbulos, que são pequenos túbulos ocos feitos de múltiplas cópias da proteína tubulina. As subunidades de tubulina se combinam para formar um tubo em escala molecular. O arranjo de microtúbulos que formam cada cirro se estende para o espaço interno da célula. Esses microtúbulos se interligam entre si para formar uma rede de microtúbulos.
Microtúbulo (imagem de Posible2006 em Wikimedia Commons, CC BY-SA 4.0) |
Quando Larson e seus colaboradores interromperam a rede de microtúbulos, o movimento coordenado dos cirros parou. Essa descoberta implica a rede de microtúbulos como o controle interno que regula o comportamento dos cirros. Com base nas propriedades matemáticas da marcha de Euplotes, Larson e seus parceiros de pesquisa concluem que a rede de microtúbulos é uma MEF em escala molecular — um nanocomputador mecânico. A rede de microtúbulos regula a transição entre um conjunto discreto de estados da marcha, com mudanças estruturais na rede de microtúbulos correspondendo aos diferentes estados do sistema. Outra maneira de pensar sobre a rede de microtúbulos é que ela reflete um conjunto incorporado de computações que controla e coordena o comportamento complexo dos cirros. Wallace Marshall, um dos colaboradores de Larson, argumenta: "Nossos dados mostram que você precisa de microtúbulos para que a computação aconteça. A explicação mais simples é que esses são os elementos de computação." [3]
Os pesquisadores acham que essa percepção pode ter amplo poder explicativo. Pode ser responsável por outros comportamentos sofisticados executados por organismos unicelulares. Ou seja, Larson e seus colaboradores pensam que um conjunto de MEFs pode regular vários processos subcelulares e celulares nos quais a “tomada de decisão” é necessária. Marshall conclui: “Se você pode fazer um computador a partir de microtúbulos, você pode defender a busca por eles em muitos outros tipos de células.” [4]
Por mais notável que essa percepção possa ser a parti de uma perspectiva científica, ela é ainda mais provocativa quando se reflete sobre as implicações filosóficas e teológicas. Para apreciar esse ponto, precisamos considerar o argumento clássico do Relojoeiro apresentado por William Paley.
O Argumento do Relojoeiro
O teólogo natural anglicano do século XVIII William Paley (1743–1805) postulou o argumento do Relojoeiro em sua obra de 1802, Teologia Natural ou Evidências da Existência e Atributos da Divindade, Coletadas das Aparências da Natureza.
Para Paley, as características de um relógio e a interação complexa de suas peças de precisão com o propósito de dizer as horas implicavam o trabalho de um designer inteligente. Paley afirmou, por analogia, que assim como um relógio requer um relojoeiro, também a vida requer um Criador, uma vez que os sistemas biológicos exibem uma ampla gama de aspectos caracterizados pela interação precisa de peças complexas para propósitos específicos.
Máquinas Biomoleculares e o Argumento do Relojoeiro Revitalizado
Nas últimas duas décadas, os bioquímicos descobriram muitos complexos de proteínas dentro da célula que são análogos estritos às máquinas feitas pelo homem com relação à sua arquitetura, operação e montagem. (Para exemplos, veja os artigos listados na seção Recursos.) As biomáquinas encontradas no interior da célula revelam uma diversidade de forma e função que reflete a diversidade de designs produzidos por engenheiros humanos. Em muitos casos, essa biomáquina de nível molecular se destaca como um análogo estrito à maquinaria feita pelo homem. A relação um-para-um entre as partes das máquinas feitas pelo homem e os componentes moleculares das biomáquinas é surpreendente.
A descoberta de máquinas biomoleculares dentro da célula dá nova vitalidade ao Argumento do relojoeiro. Os complexos de proteínas dentro da célula não são máquinas metafóricas — eles são, de fato, máquinas reais. E o caso de Paley continua a ganhar força à medida que os bioquímicos descobrem continuamente novos exemplos de máquinas biomoleculares, como a MEF bioquímica composta de redes de microtúbulos.
MEF Bioquímica e o Argumento do Relojoeiro
A analogia estrita entre MEFs (que são entidades abstratas e computadores mecânicos concretos do mundo real) e o comportamento regulatório de redes de microtúbulos em Euplotes é surpreendente — e provocativa.
Nem é preciso dizer que quando encontramos uma MEF como uma máquina de venda automática, reconhecemos as características de design desses dispositivos. Também reconhecemos que as capacidades de tomada de decisão desses sistemas foram concebidas por agentes inteligentes. Então, por que não deveríamos chegar à mesma conclusão quando descobrimos uma MEF biomolecular dentro da célula?
Recursos
{Artigos traduzidos e já publicados aqui no blog, com exceção daquele marcado com *.}
- The Cell's Design: How Chemistry Reveals the Creator's Artistry (O design da célula: Como a química revela a arte do criador) por Fazale Rana (livro)
- “Nova abordagem resolve o problema da origem da vida?” por Fazale Rana (artigo)
Máquinas biomoleculares e o argumento do relojoeiro
- “Nova descoberta reforça evidências de design” por Fazale Rana (artigo)
- “Um relógio bioquímico encontrado em uma célula” por Fazale Rana (artigo)
- “O caso provocativo do design: nova descoberta destaca o caráter semelhante ao de uma máquina do flagelo bacteriano” por Fazale Rana (artigo)
- “Produzindo o caso do design inteligente” por Fazale Rana (artigo)
- “Complexos de proteínas da cadeia de transporte de elétrons reforçam o caso de um criador” por Fazale Rana (artigo)
- “Máquinas de Turing bioquímicas “reiniciam” o Argumento do relojoeiro” por Fazale Rana (artigo)
Respondendo aos Desafios do Argumento do Relojoeiro
- “Mas os relógios se replicam? Abordando um desafio lógico ao Argumento do relojoeiro” por Fazale Rana (artigo)
- “Automontagem de máquinas de proteínas: evidências de evolução ou criação?” por Fazale Rana (artigo)
- “Abordando as preocupações de um crítico e o caso do design inteligente” por Fazale Rana (artigo)
- “Nanodevices make megascopic statement”* (Nanodispositivos fazem uma declaração megascópica) por Fazale Rana (artigo)
- “Uma cornucópia de evidências para o design: embalagem de DNA do vírus T4” por Fazale Rana (artigo)
Notas de Fim
- Ben T. Larson et al., “A Unicellular Walker Controlled by a Microtubule-Based Finite State Machine”, bioRxiv, pré-impressão (17 de junho de 2021): doi:10.1101/2021.02.26.433123. {Versão definitiva aqui}
- Michael Le Page, “Single-Celled Organism Has Evolved a Natural Mechanical Computer”, New Scientist, 28 de julho de 2021.
- Le Page, “Single-Celled Organism”.
- Le Page, “Single-Celled Organism”.
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Traduzido de Biochemical Finite-State Machines Point to an Infinite Creator (RTB)
Etiquetas:
biomaquinaria - argumento a partir do design
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