A ocitocina causa experiências espirituais?


Homem em oração (Imagem gerada por IA - Salvador Daqui em NightCafé Studio - https://creator.nightcafe.studio)
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por Fazale Rana
12 de outubro de 2016

Por que as pessoas acreditam em Deus?

Em 1998, Michael Shermer, editor fundador da revista Skeptic (Cético), e o sociólogo Frank Sulloway buscaram responder a esta pergunta "Por quê?". Entrevistando 10.000 indivíduos nos Estados Unidos, Shermer e Sulloway descobriram que quase 30% afirmavam que a beleza, o design e a complexidade do universo justificavam a crença em Deus, e quase 20% afirmavam estar convencidos da existência de Deus porque O vivenciavam na vida cotidiana.

Em muitos aspectos, essa descoberta não é surpreendente — se o cristianismo for verdadeiro. Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento ensinam que Deus se deu a conhecer por meio da criação. Essa revelação refletir-se-ia na beleza, no design e na complexidade do reino natural. As Escrituras também ensinam que o Espírito Santo atrai os descrentes a Cristo e intervém na vida dos crentes.

Em outras palavras, de acordo com esta pesquisa, muitas pessoas acreditam em Deus por razões racionais e experienciais.

Ainda assim, vários céticos argumentam que a crença em Deus é um fenômeno exclusivamente biológico. Eles sustentam que as pessoas que acreditam em Deus se iludem ao pensar que sustentam sua crença por razões racionais. Os céticos argumentam que a crença em Deus, na verdade, tem mais a ver com a nossa biologia do que com qualquer outra coisa.

Em 2005, o especialista em genética humana Dean Hamer causou um grande rebuliço quando publicou O gene de Deus. Nesse livro, ele afirma ter descoberto uma associação entre o gene VMAT2 e a autotranscendência, um composto de três atributos psicológicos que presumivelmente refletem a propensão de um indivíduo para a espiritualidade. Como resultado de sua pesquisa, Hamer apelidou o VMAT2 de "gene de Deus". (O gene VMAT2 codifica uma proteína incorporada à membrana que transporta monoaminas, como serotonina e dopamina, do citosol das células nervosas para as vesículas sinápticas.) Hamer afirma que essa descoberta ajuda a explicar por que a espiritualidade é hereditária e sugere que há uma base genética e, portanto, estritamente biológica para o motivo pelo qual algumas pessoas acreditam em Deus e outras não. Em outras palavras, nossa espiritualidade é biologicamente determinada.

Somado a essa alegação, há um trabalho recente de pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill (UNC). [1] Esses pesquisadores afirmam que, quando homens recebem ocitocina, desenvolvem uma orientação mais intensa em relação à espiritualidade e experiências positivas aprimoradas durante práticas religiosas, como a meditação. (Eles definem espiritualidade como a sensação de estar conectado a outros seres vivos e a um poder superior.) Essas respostas à ocitocina ocorreram tanto em crentes quanto em não crentes e se correlacionam mais estreitamente com variantes de dois genes que codificam proteínas envolvidas na liberação de ocitocina pelo hipotálamo e sua transmissão entre os neurônios. Em outras palavras, as respostas dos indivíduos à ocitocina tinham mais a ver com sua genética do que com suas crenças sobre a existência de Deus. Os pesquisadores concluem que as evidências crescentes indicam que “os humanos — e talvez alguns mais do que outros — são biologicamente predispostos a serem receptivos a experiências espirituais”. [2]

Antes desse estudo, neurocientistas tinham evidências indiretas de que a liberação de ocitocina impactava a espiritualidade. Por exemplo, pesquisadores observaram que pessoas que tiveram experiências religiosas transformadoras apresentavam níveis elevados de ocitocina no sangue. Mas, graças a este estudo mais recente, foi estabelecida uma conexão causal entre a liberação de ocitocina e a experiência espiritual.

Efeitos Físicos da Oxitocina

A ocitocina é um peptídeo produzido pelo hipotálamo. Esse composto atua como hormônio quando liberado na corrente sanguínea e como neurotransmissor quando liberado no prosencéfalo.

A ocitocina foi apelidada de "hormônio do amor" e "substância química do abraço". A exposição à ocitocina aumenta a empatia e a confiança. A exposição também reduz o foco em si mesmo e provoca respostas altruístas. Em outras palavras, a exposição à ocitocina promove o vínculo social.

Este composto também é liberado durante o parto e a amamentação, ajudando mães e bebês a criarem laços. Também é liberado durante o sexo, promovendo a conexão entre os amantes. [3]

O Papel da Ocitocina nas Experiências Espirituais Invalida a Fé Cristã?


O papel da ocitocina nas experiências espirituais invalida a fé cristã? Dificilmente. De fato, essa descoberta e trabalhos anteriores que identificam o papel da ocitocina nos vínculos sociais, no vínculo mãe-bebê e no vínculo entre parceiros fazem todo o sentido dentro de uma cosmovisão cristã.

Em seu livro The Biology of Sin (A biologia do pecado), o neurocientista Matthew Stanford apresenta um modelo que ajuda a dar sentido a esses tipos de descobertas. [4] Stanford aponta que as Escrituras ensinam que os seres humanos são criados como seres materiais e imateriais, possuindo um corpo físico e uma mente e um espírito não físicos. Em vez de ser um "fantasma na máquina", nossas naturezas material e imaterial estão interligadas, interagindo umas com as outras. É por meio de nossos corpos (incluindo nosso cérebro) que interagimos com o mundo físico ao nosso redor. As atividades do nosso cérebro influenciam as atividades da nossa mente (onde nossos pensamentos, sentimentos e emoções estão alojados) e vice-versa. É por meio do nosso espírito que temos união com Deus. A transformação espiritual pode influenciar as atividades do nosso cérebro e como pensamos, e como e o que pensamos pode influenciar nosso espírito.

Se Deus criou os seres humanos para (1) se relacionarem com Ele, (2) formarem relacionamentos monogâmicos com o sexo oposto, (3) se multiplicarem e preencherem a Terra e (4) estarem em comunidade uns com os outros, não faria sentido que Ele tivesse criado mecanismos biológicos para garantir o vínculo entre os membros de uma comunidade, entre mãe e filho, entre marido e mulher e entre cada um de nós e Deus? A ocitocina parece ser exatamente esse mecanismo. Ter um mecanismo biológico que promova o vínculo entre os membros de uma comunidade, entre mães e filhos e entre maridos e mulheres faz ainda mais sentido quando se considera o quão difíceis são esses relacionamentos. A influência da ocitocina garante que os pais não abandonem seus filhos quando eles se tornam um fardo. Ela ajuda os casamentos a permanecerem intactos durante os momentos desafiadores do relacionamento.

Mas e quanto à observação de que algumas pessoas parecem ter uma propensão biológica maior para experiências espirituais do que outras? Isso não parece injusto? Isso significa que Deus criou algumas pessoas para responder a Ele e outras não?

Essa questão pressupõe que a única base para a crença seja a experiência espiritual. Existem razões racionais para pensar que Deus existe. Estudiosos desenvolveram argumentos filosóficos e científicos convincentes para a existência de Deus. Há evidências históricas e arqueológicas que sustentam a credibilidade do Antigo e do Novo Testamento. Um argumento poderoso pode ser apresentado em favor da historicidade de Cristo, incluindo sua morte e ressurreição. As Escrituras também ensinam que Deus escreveu sua lei em nossos corações. Sabemos que existe um certo e um errado inerentes, e estamos bem cientes de que não nos conformamos a esse padrão. Em outras palavras, mesmo que não tenhamos propensão para experiências espirituais, ainda temos a capacidade de reconhecer a verdade da fé cristã e nossa necessidade desesperada de perdão. Quer tenhamos experiências espirituais ou não, todos nós temos a capacidade de entender e responder ao evangelho.

As Escrituras ensinam que cada pessoa possui um conjunto único de dons. Cada um de nós tem pontos fortes e fracos distintos. As Escrituras também ensinam que, quando nos reunimos, cada um dos nossos dons contribui para a comunidade, e nossos pontos fortes e fracos coletivos se complementam. Se o que as Escrituras ensinam sobre esse ponto for verdade, não esperaríamos que Deus criasse os humanos (como população) com variabilidade biológica? Conheço muitos cristãos para os quais a vida intelectual é muito mais importante para a fé do que as experiências espirituais. Também conheço muitos cristãos para os quais as experiências religiosas são centrais para a fé. Ambos os tipos de pessoas desempenham papéis cruciais na igreja. Em outras palavras, nosso Criador pode ter tido boas razões para projetar humanos com diferentes propensões biológicas à espiritualidade.

Um último ponto: os céticos precisam ser cautelosos ao afirmar que a liberação de ocitocina no prosencéfalo causa experiências espirituais e, em última análise, concluírem que a crença é um fenômeno biológico. A faca corta nos dois sentidos. Se a crença em Deus tem uma base estritamente biológica, isso significa que o ateísmo também tem. Em outras palavras, os ateus não podem alegar que rejeitam a crença em Deus por razões racionais ou porque possuem intelecto superior. Em seu modelo, eles são tão vítimas de sua biologia quanto afirmam que os cristãos são.

Recursos
{Os artigos já foram publicados traduzidos aqui no blog. De cima para baixo, estão em ordem ascendente de data de publicação.}


Notas de Fim 

  1. Patty Van Cappellen et al., “Effects of Oxytocin Administration on Spirituality and Emotional Responses to Meditation”, Social, Cognitive, and Affective Neuroscience 11 (junho de 2016): 1579–87, doi:10.1093/scan/nsw078.
  2. Ibid.
  3. Essa observação motivou a manchete “Having Sex Makes Men More Likely to Believe in God” (Fazer sexo torna os homens mais propensos a acreditar em Deus). É tentador perguntar se o inverso é verdadeiro.
  4. Matthew Stanford, The Biology of Sin: Grace, Hope, and Healing for Those Who Feel Trapped (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2010), 15–19.


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Etiquetas:
a crença em Deus está na fisiologia/biologia humana? ...nos hormônios humanos? ...tem explicação/base puramente biológica?


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