Genealogias bíblicas revisitadas: mais evidências de lacunas
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[Tentativa de fazer uma] ilustração da genealogia de Adão (Imagem de Salvador Daqui em NightCafé Studio) |
Obs.: Os trechos entre "{ }" são comentários, observações meus.
por Hugh Henry e Daniel J. Dyke
19 de novembro de 2013
Cálculos baseados em genealogias registradas em Gênesis 5, 10 e 11 ajudam a formar a base para a crença em uma Terra jovem. Entretanto, os escritores convidados Daniel Dyke e Hugh Henry argumentam que os relacionamentos listados nessas genealogias podem indicar relacionamentos ancestrais-descendentes mais gerais (em vez de relacionamentos pais-filhos), implicando assim que há lacunas nas genealogias que as tornam não confiáveis para determinar uma data de criação.
Na controvérsia da idade da Terra, alguns que apoiam uma visão da Terra jovem afirmam que a palavra hebraica yālad — que é traduzida como “gerar” na versão King James {e também na ARC, a tradução bíblica mais conservadora, em português do Brasil} — sempre se refere a um relacionamento direto pai-filho em Gênesis 5, 10 e 11 e outras passagens genealógicas. Em uma série anterior de artigos {Já publicados traduzidos aqui no blog}, discutimos que yālad implica apenas um relacionamento ancestral, não necessariamente um relacionamento pai-filho. Isso permite lacunas nos registros genealógicos no Pentateuco.
Nossa pesquisa foi feita com base na forma (semelhante ao conceito português de tempo verbal) de yālad. Em Gênesis 5, 10 e 11, a forma de yālad usada é chamada de hiphil, o que significa que o sujeito está direta ou indiretamente causando o resultado da ação verbal. Neste artigo, confirmamos que yālad na forma hiphil descreve um relacionamento ancestral-descendente que não é necessariamente um relacionamento direto pai-filho. Esta conclusão é derivada da aplicação ao yālad do mesmo princípio de interpretação empregado com palavras hebraicas bíblicas em geral: que a narrativa circundante é a chave para a interpretação adequada. No caso das genealogias, a narrativa revela a natureza do relacionamento entre aquele que gera e aquele que está sendo gerado. Tomando Noé como exemplo, o uso de yālad na forma hiphil indica causalidade direta quando ele gera Cam, Sem e Jafé. Entretanto, o yālad na forma hiphil por si só mostra apenas que Cam, Sem e Jafé estão relacionados a ele em uma linha direta de descendência; a narrativa circundante é o que revela que essas são relações de pai e filho.
Para demonstrar ainda mais a validade do nosso argumento, examinaremos duas narrativas que fornecem exemplos de yālad na forma hiphil usado para descrever um relacionamento ancestral-descendente. Em ambos os casos, um relacionamento direto pai-filho é, sem dúvida, impossível. Os textos serão examinados em ordem histórica reversa.
Os “Filhos” de Ezequias
O cenário da primeira narrativa — registrada em Isaías 38–39 e 2 Reis 20 — é a época em que Senaqueribe da Assíria invadiu Judá, o que ocorreu por volta de 701 a.C., durante a última parte do reinado do rei Ezequias. (Isso inclui a famosa história de quando Deus enviou um anjo para matar 185.000 soldados assírios à noite.) O registro bíblico desse período também descreve a doença de Ezequias e a visita de emissários de Merodaque-Baladã (também conhecido como {Marduk-Baladã e} Marduk-apla-iddina II), rei da Babilônia. A ordem histórica desses eventos é uma questão de debate entre os estudiosos, mas parece certo que eles se concentram em torno do ano 701.
O terceiro evento é importante para esta discussão. O rei babilônico parece ter enviado emissários a Ezequias para alistar sua ajuda na luta contra Senaqueribe. Isaías descreve isso da seguinte forma:
Isaías confrontou o rei e pronunciou julgamento sobre ele por suas ações tolas. Observe a última parte desta mensagem profética.
Uma leitura casual e acrítica do texto sugeriria que esses “filhos” eram descendentes biológicos imediatos de Ezequias porque a frase “gerados por você” é justaposta com yālad na forma hiphil. Assim, a questão crucial é a identidade dos “filhos” que se tornarão oficiais na Babilônia.
A profecia de Isaías não se cumpriu até um século depois, quando Nabucodonosor da Babilônia fez três ataques contra Judá datados de 605–604 a.C. (cf. Daniel 1:1–4), 598–597 a.C. (cf. 2 Reis 24:10–16) e 588–586 a.C. (cf. 2 Reis 25:1–21), respectivamente. Registros históricos do primeiro ataque descrevem-no de tal forma que parece iniciar o cumprimento. De acordo com textos babilônicos, especificamente a Crônica sobre os primeiros anos de Nabucodonosor II, Nabucodonosor “marchou sem oposição pela terra de Hatti; no mês de Šabatu, ele levou o pesado tributo do território de Hatti para a Babilônia”. Para um babilônico, a terra de Hatti (terra dos hititas) incluía Judá. Este ataque é provavelmente o ataque mencionado no livro de Daniel:
Quando os babilônios retornavam para casa de tais ataques, eles carregavam tesouros e prisioneiros. No mundo antigo, eles podiam ser dedicados aos templos pagãos e/ou ao serviço no palácio do rei (templo e palácio estavam intimamente relacionados nas mentes dessas pessoas). O livro de Daniel continua:
Esta é a primeira instância conhecida da família real judaica sendo levada para a Babilônia e transformada em oficiais (sārîsîm) na corte babilônica. Nos dois ataques subsequentes, todos os tesouros de Jerusalém foram removidos e a cidade completamente destruída. Juntos, esses três ataques cumpriram todos os aspectos da profecia de Isaías.
Ezequias morreu por volta de 687 a.C.; Jeoaquim era seu tataraneto. Portanto, os “filhos” reais levados cativos quando jovens eram provavelmente tataranetos de Ezequias. O texto, porém, diz claramente que eles foram gerados (yālad na forma hiphil) por Ezequias. Enfatizamos que, neste caso, yālad na forma hiphil está na mesma forma que yālad em Gênesis 5 e 11.
Fica absolutamente claro neste exemplo que yālad na forma hiphil não implica necessariamente uma relação pai-filho, mas sim representa uma relação ancestral geral.
Discurso de Despedida de Moisés
Vamos agora passar para um texto Mosaico do Deuteronômio para verificar se Moisés — que acreditamos ter sido o autor do Pentateuco — tinha o mesmo entendimento de yālad na forma hiphil. Um exemplo é encontrado no discurso de despedida de Moisés:
Neste verso, yālad na forma hiphil obviamente se refere, pelo menos, a netos e também a filhos. Novamente, yālad está na mesma forma que em Gênesis 5 e 11, verificando que na literatura mosaica yālad na forma hiphil não implica necessariamente uma relação pai-filho.
A partir desses dois exemplos, somados a nossos artigos anteriores, podemos concluir que grandes lacunas são possíveis nas genealogias em Gênesis 5, 10 e 11. Agradecemos respostas atenciosas a este artigo.
19 de novembro de 2013
Cálculos baseados em genealogias registradas em Gênesis 5, 10 e 11 ajudam a formar a base para a crença em uma Terra jovem. Entretanto, os escritores convidados Daniel Dyke e Hugh Henry argumentam que os relacionamentos listados nessas genealogias podem indicar relacionamentos ancestrais-descendentes mais gerais (em vez de relacionamentos pais-filhos), implicando assim que há lacunas nas genealogias que as tornam não confiáveis para determinar uma data de criação.
Na controvérsia da idade da Terra, alguns que apoiam uma visão da Terra jovem afirmam que a palavra hebraica yālad — que é traduzida como “gerar” na versão King James {e também na ARC, a tradução bíblica mais conservadora, em português do Brasil} — sempre se refere a um relacionamento direto pai-filho em Gênesis 5, 10 e 11 e outras passagens genealógicas. Em uma série anterior de artigos {Já publicados traduzidos aqui no blog}, discutimos que yālad implica apenas um relacionamento ancestral, não necessariamente um relacionamento pai-filho. Isso permite lacunas nos registros genealógicos no Pentateuco.
Nossa pesquisa foi feita com base na forma (semelhante ao conceito português de tempo verbal) de yālad. Em Gênesis 5, 10 e 11, a forma de yālad usada é chamada de hiphil, o que significa que o sujeito está direta ou indiretamente causando o resultado da ação verbal. Neste artigo, confirmamos que yālad na forma hiphil descreve um relacionamento ancestral-descendente que não é necessariamente um relacionamento direto pai-filho. Esta conclusão é derivada da aplicação ao yālad do mesmo princípio de interpretação empregado com palavras hebraicas bíblicas em geral: que a narrativa circundante é a chave para a interpretação adequada. No caso das genealogias, a narrativa revela a natureza do relacionamento entre aquele que gera e aquele que está sendo gerado. Tomando Noé como exemplo, o uso de yālad na forma hiphil indica causalidade direta quando ele gera Cam, Sem e Jafé. Entretanto, o yālad na forma hiphil por si só mostra apenas que Cam, Sem e Jafé estão relacionados a ele em uma linha direta de descendência; a narrativa circundante é o que revela que essas são relações de pai e filho.
Para demonstrar ainda mais a validade do nosso argumento, examinaremos duas narrativas que fornecem exemplos de yālad na forma hiphil usado para descrever um relacionamento ancestral-descendente. Em ambos os casos, um relacionamento direto pai-filho é, sem dúvida, impossível. Os textos serão examinados em ordem histórica reversa.
Os “Filhos” de Ezequias
O cenário da primeira narrativa — registrada em Isaías 38–39 e 2 Reis 20 — é a época em que Senaqueribe da Assíria invadiu Judá, o que ocorreu por volta de 701 a.C., durante a última parte do reinado do rei Ezequias. (Isso inclui a famosa história de quando Deus enviou um anjo para matar 185.000 soldados assírios à noite.) O registro bíblico desse período também descreve a doença de Ezequias e a visita de emissários de Merodaque-Baladã (também conhecido como {Marduk-Baladã e} Marduk-apla-iddina II), rei da Babilônia. A ordem histórica desses eventos é uma questão de debate entre os estudiosos, mas parece certo que eles se concentram em torno do ano 701.
O terceiro evento é importante para esta discussão. O rei babilônico parece ter enviado emissários a Ezequias para alistar sua ajuda na luta contra Senaqueribe. Isaías descreve isso da seguinte forma:
E Ezequias se alegrou com eles e lhes mostrou a casa do seu tesouro, e a prata, e o ouro, e as especiarias, e os melhores unguentos, e toda a sua casa de armas, e tudo quanto se achava nos seus tesouros; coisa nenhuma houve, nem em sua casa, nem em todo o seu domínio, que Ezequias lhes não mostrasse. (Isaías 39:2 ARC)
Isaías confrontou o rei e pronunciou julgamento sobre ele por suas ações tolas. Observe a última parte desta mensagem profética.
“Eis que virão dias em que tudo o que houver no seu palácio, isto é, tudo o que os seus pais ajuntaram até o dia de hoje, será levado para a Babilônia; não ficará coisa alguma, diz o Senhor. Alguns dos seus próprios filhos, gerados [yālad na forma hiphil] por você, serão levados, para que sejam eunucos [sārîsîm] no palácio do rei da Babilônia.” (Isaías 39:6–7, NAA, ênfase acrescentada para alinhar-se à tradução bíblica usada no artigo original, em inglês, que foi a NASB de 1995)
Uma leitura casual e acrítica do texto sugeriria que esses “filhos” eram descendentes biológicos imediatos de Ezequias porque a frase “gerados por você” é justaposta com yālad na forma hiphil. Assim, a questão crucial é a identidade dos “filhos” que se tornarão oficiais na Babilônia.
A profecia de Isaías não se cumpriu até um século depois, quando Nabucodonosor da Babilônia fez três ataques contra Judá datados de 605–604 a.C. (cf. Daniel 1:1–4), 598–597 a.C. (cf. 2 Reis 24:10–16) e 588–586 a.C. (cf. 2 Reis 25:1–21), respectivamente. Registros históricos do primeiro ataque descrevem-no de tal forma que parece iniciar o cumprimento. De acordo com textos babilônicos, especificamente a Crônica sobre os primeiros anos de Nabucodonosor II, Nabucodonosor “marchou sem oposição pela terra de Hatti; no mês de Šabatu, ele levou o pesado tributo do território de Hatti para a Babilônia”. Para um babilônico, a terra de Hatti (terra dos hititas) incluía Judá. Este ataque é provavelmente o ataque mencionado no livro de Daniel:
No terceiro ano do reinado de Jeoaquim, rei de Judá, Nabucodonosor, rei da Babilônia, veio a Jerusalém e a sitiou. (Daniel 1:1, NVI)
Quando os babilônios retornavam para casa de tais ataques, eles carregavam tesouros e prisioneiros. No mundo antigo, eles podiam ser dedicados aos templos pagãos e/ou ao serviço no palácio do rei (templo e palácio estavam intimamente relacionados nas mentes dessas pessoas). O livro de Daniel continua:
“No ano terceiro do reinado de Jeoaquim, rei de Judá, Nabucodonosor, rei da Babilônia, veio a Jerusalém e a sitiou. O Senhor entregou nas mãos dele Jeoaquim, rei de Judá, e alguns dos utensílios da Casa de Deus. Nabucodonosor levou esses utensílios para a terra de Sinar, para o templo do seu deus, e os pôs na casa do tesouro do seu deus. Depois, o rei ordenou a Aspenaz, chefe dos seus eunucos [sārîsîm], que trouxesse alguns dos filhos de Israel, tanto da linhagem real como dos nobres, jovens sem nenhum defeito, de boa aparência (...)” (Daniel 1:2–4a, NAA, ênfase adicionada)
Esta é a primeira instância conhecida da família real judaica sendo levada para a Babilônia e transformada em oficiais (sārîsîm) na corte babilônica. Nos dois ataques subsequentes, todos os tesouros de Jerusalém foram removidos e a cidade completamente destruída. Juntos, esses três ataques cumpriram todos os aspectos da profecia de Isaías.
Ezequias morreu por volta de 687 a.C.; Jeoaquim era seu tataraneto. Portanto, os “filhos” reais levados cativos quando jovens eram provavelmente tataranetos de Ezequias. O texto, porém, diz claramente que eles foram gerados (yālad na forma hiphil) por Ezequias. Enfatizamos que, neste caso, yālad na forma hiphil está na mesma forma que yālad em Gênesis 5 e 11.
Fica absolutamente claro neste exemplo que yālad na forma hiphil não implica necessariamente uma relação pai-filho, mas sim representa uma relação ancestral geral.
Discurso de Despedida de Moisés
Vamos agora passar para um texto Mosaico do Deuteronômio para verificar se Moisés — que acreditamos ter sido o autor do Pentateuco — tinha o mesmo entendimento de yālad na forma hiphil. Um exemplo é encontrado no discurso de despedida de Moisés:
“Quando, pois, gerardes [yālad na forma hiphil] filhos e filhos de filhos, e vos envelhecerdes na terra (...)” (Deuteronômio 4:25a, ARC)
Neste verso, yālad na forma hiphil obviamente se refere, pelo menos, a netos e também a filhos. Novamente, yālad está na mesma forma que em Gênesis 5 e 11, verificando que na literatura mosaica yālad na forma hiphil não implica necessariamente uma relação pai-filho.
A partir desses dois exemplos, somados a nossos artigos anteriores, podemos concluir que grandes lacunas são possíveis nas genealogias em Gênesis 5, 10 e 11. Agradecemos respostas atenciosas a este artigo.
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Daniel J. Dyke, MDiv, MTh
O Sr. Daniel J. Dyke recebeu seu mestrado em Teologia pelo Seminário Teológico de Princeton em 1981 e atualmente atua como professor de Antigo Testamento na Cincinnati Christian University em Cincinnati, Ohio.
Dr. Hugh Henry, PhD
O Dr. Hugh Henry recebeu seu PhD em Física pela Universidade da Virgínia em 1971, aposentou-se após 26 anos na Varian Medical Systems e atualmente atua como professor de física na Northern Kentucky University em Highland Heights, KY.
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Traduzido de Biblical Genealogies Revisited: Further Evidence of Gaps (RTB)
Etiquetas:
criacionismo da Terra jovem - criacionismo (progressivo) da Terra velha - cálculo da idade da Criação de Deus a partir da genealogia bíblica no livro de Gênesis
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