Um Universo que Veio do Nada? Uma crítica ao livro de Lawrence Krauss - parte 1


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por Hugh Ross
9 de abril de 2012

Em seu último livro, Um Universo que Veio do Nada, o famoso astrofísico Lawrence M. Krauss afirma ter mostrado por que a física mais recente prova que Deus não é necessário para explicar a existência e as características do universo.

Ele afirma que o universo veio do “nada”, e não de Deus. No entanto, os diferentes “nadas” aos quais Krauss apela para as suas explicações são, na verdade, “algumas coisas” – “algumas coisas” que exigem nada menos do que a existência e o envolvimento do Deus bíblico.

Lawrence M. Krauss é uma das figuras mais públicas da comunidade física atual. Físico teórico e diretor do Projeto Origins da Universidade Estadual do Arizona, a personalidade carismática de Krauss e seus oito livros best-sellers lhe renderam entrevistas frequentes na televisão e no rádio nacional. Tão famoso como divulgador da física arcana e comentarista de Jornada nas Estrelas, ele é ainda mais conhecido como líder na luta contra o criacionismo e o design inteligente.

Em seu último livro, Um Universo que Veio do Nada, Krauss afirma demonstrar como a gravidade quântica não apenas permite que nosso universo e outros universos surjam do nada (isto é, sem a agência de um ser divino), mas também que a gravidade quântica realmente parece não requerer nada. Escusado será dizer que tais afirmações certamente darão a Krauss ainda mais fama e notoriedade.

Um Universo que Veio do Nada está sendo apontado como um divisor de águas no debate sobre a existência de Deus. No posfácio do livro de Krauss, o ateu declarado Richard Dawkins se vangloria de que, assim como Charles Darwin, em A Origem das Espécies, desferiu “o golpe mais mortal da biologia ao sobrenaturalismo”, também Lawrence Krauss desferiu da física “o golpe nocauteador” contra “o último trunfo remanescente do teólogo: 'Por que existe algo em vez de nada?'” [1] O livro também recebeu elogios de Sam Harris (outro ateu famoso) e de físicos notáveis como Mario Livio, Frank Wilczek e Martin Rees.

Na folha de rosto, a editora escreve que Krauss forneceu um “antídoto para o pensamento filosófico e religioso obsoleto” e uma “entrada revolucionária no debate sobre a existência de Deus e de tudo o que existe”. A mesma folha de rosto cita Krauss: “Esqueça Jesus, as estrelas morreram para que você pudesse nascer”. Portanto, não é surpresa que Krauss e o seu novo livro tenham se tornado a arma preferida dos ateus convictos na sua busca para livrar a humanidade da crença em Deus.

Mas terá Krauss realmente provado que “Deus está morto”? Seus fãs podem dizer isso, mas o próprio Krauss recua um pouco diante de uma afirmação tão ousada. Em vez disso, ele admite, com base na física e na lógica, que “não se pode descartar tal visão deísta da natureza”. [2] Todavia, ele afirma que esta visão deísta “não tem qualquer ligação lógica com as divindades pessoais das grandes religiões do mundo”. [2] Em outras palavras, Deus pode não estar morto, mas, de acordo com Krauss, ele certamente não é pessoal nem está atualmente ativo.

Antes de criticar a filosofia e a ciência em Um Universo que Veio do Nada, quero primeiro elogiar Krauss pelos seus excelentes capítulos sobre a história recente da cosmologia observacional e teórica. Tirando atribuições erradas de crédito de pesquisa e alguns pequenos pontos de discrepância de fatos, eu recomendaria fortemente o livro de Krauss se ele tivesse parado no capítulo seis. É o resto do livro que considero preocupante.

Por Que Não Precisamos de Deus

Energia Líquida Zero

De acordo com Krauss, uma razão pela qual Deus, se existir, pode não ser pessoal é que o universo parece não resulta em algo particular. Como explica Krauss, apenas num universo de geometria plana (como o nosso parece ser) a “energia gravitacional newtoniana” total de cada objeto cósmico é igual a zero. Isso acontece porque a energia negativa da atração gravitacional anula a energia positiva do movimento. Portanto, a energia líquida do universo é zero e, se for esse o caso, então o universo é essencialmente nada. Krauss infere que se o universo realmente não resulta em algo particular, por que então devemos nos sentir compelidos a invocar “Alguém” (como o Deus bíblico) para explicar a sua causa?

Restam poucas dúvidas de que o nosso universo está muito próximo de manifestar uma geometria plana (ver figura). O satélite Wilkinson Microwave Anisotropy Probe (WMAP) estabeleceu a curvatura espacial do universo, Ωk, entre -0,0174 e +0,0051, onde 0,0000 representa planicidade perfeita. [4] Consequentemente, Krauss tem fortes argumentos para que a energia gravitacional newtoniana total do universo seja zero ou muito próxima de zero. No entanto, há mais no universo do que a energia gravitacional newtoniana.

Imagine alguém jogando um peso {daqueles do esporte de lançamento de peso} para o alto. Chega a um ponto na trajetória do peso lançado onde a energia cinética ascendente é exatamente igual à energia gravitacional descendente. Nesse ponto, o peso lançado não está se movendo nem para cima nem para baixo. Sua energia de movimento é zero. Contudo, seria errado concluir que o peso lançado é nada. Mesmo nesse ponto de energia zero, ainda é uma esfera de metal que pesa 7,26 quilos.

Da mesma forma, embora a energia gravitacional newtoniana total do universo seja zero, o universo ainda contém uma enorme quantidade de calor que sobrou do evento de criação cósmica e enormes quantidades de energia escura, matéria escura exótica, matéria escura comum e galáxias visíveis, estrelas, planetas, poeira e gás. Assim como o lançamento de peso, o universo não se reduz a nada.

Criação ex Nihilo

Ao dizer que o universo veio do “nada”, Krauss está refletindo, involuntariamente, um dos credos fundamentais do Cristianismo. Criação ex nihilo (latim para “criação a partir do nada”) refere-se ao momento em que Deus criou algo (o universo) do nada (aquilo que carece de matéria, energia, espaço e tempo). A Bíblia implica a criação ex nihilo em Gênesis, mas Hebreus 11:3 afirma isso explicitamente: “O universo foi criado por ordem de Deus, de modo que o que é visto não foi feito do que é visível”. “Visto” e “visível” referem-se às coisas que os investigadores podem detectar e detectam, a saber, espaço, tempo, matéria e energia.

Explicações Alternativas de Krauss para as Origens do Universo

Criação Virtual

Embora Krauss acabe dizendo a mesma coisa que Hebreus 11:3 – que as coisas que nós, humanos, detectamos não foram feitas de coisas detectáveis – ele não começa dessa maneira. Ele primeiro propõe que a produção de partículas virtuais serve como uma analogia de como o universo passou a existir.

A produção de partículas virtuais é um resultado natural do princípio da incerteza da mecânica quântica. Este princípio afirma, em parte, que as flutuações quânticas na estrutura do espaço-tempo do universo irão gerar partículas, desde que essas partículas revertam para flutuações quânticas do espaço-tempo antes que qualquer observador humano possa detectar a seu aparecimento. Normalmente, as partículas assim produzidas devem desaparecer em menos de um quintilionésimo de segundo. Como essas partículas não podem ser detectadas diretamente, os físicos referem-se a elas como partículas virtuais. Krauss sugere que o universo inteiro pode ter surgido pelos mesmos meios.

Essa ideia, entretanto, tem ressalvas. Para começar, para um sistema tão massivo quanto o universo observável, o tempo para ele surgir do nada (a estrutura do espaço-tempo) e reverter ao nada (a estrutura do espaço-tempo) deve ser inferior a 10-102 segundos (101 zeros entre a vírgula e 1). Este episódio é um pouco mais breve do que a idade de 14 bilhões de anos do universo!

Uma segunda inadequação na sugestão de Krauss vem de outro princípio da mecânica quântica. A probabilidade de ocorrência de um resultado quântico aumenta proporcionalmente à passagem do tempo. Ou seja, quanto maior o intervalo de tempo, maior a probabilidade de ocorrer um resultado quântico, como a produção de uma partícula virtual. Este princípio implica que se o intervalo de tempo for zero, a probabilidade de qualquer evento quântico é zero. [5]

Os teoremas do espaço-tempo provam que o tempo tem um início coincidente com o início do universo. Assim, o intervalo de tempo no início do universo é zero. Isso elimina a mecânica quântica como possível candidata a geradora natural do universo.

Mecânica Hiperquântica

Em Um Universo que Veio do Nada, Krauss nunca reconhece as fraquezas da analogia da produção de partículas virtuais para a criação cósmica. Todavia, ele levanta a hipótese de uma segunda maneira pela qual o universo poderia ter surgido do nada sem a agência divina. Krauss propõe que – além da mecânica quântica observável restrita ao espaço e ao tempo – existe uma mecânica hiperquântica não observada que existe além do nosso universo. Aqui, alguma dimensão (ou dimensões) de tempo, inteiramente distinta do tempo cósmico, permitiria que bolhas espaço-temporais, independentes da dimensionalidade espacial ou temporal postulada como existindo além do nosso universo, surgissem espontaneamente. Se, porém, a mecânica hiperquântica for parecida com a mecânica quântica que observamos, então as bolhas espaço-temporais também devem desaparecer espontaneamente em episódios de tempo extremamente breves.

Krauss reconhece que seu apelo a alguma mecânica hiperquântica imaginada para explicar a origem do universo leva a um problema de episódio temporal. Ele sugere que o problema poderia ser resolvido se o universo experimentasse um evento de expansão inflacionária muito agressiva antes que a mecânica hiperquântica forçasse a bolha espaço-tempo recém-gerada (nosso universo) a desaparecer.

A inflação é agora parte integrante da cosmologia do big bang. Refere-se à breve, mas rápida expansão exponencial do universo primitivo por um fator de pelo menos 1078 em volume. Para o nosso universo, a época da inflação durou entre 10-36 e 10-33 segundos. Ocorreu perto do início da era eletrofraca, durante a qual existiram três forças da física: a gravidade, a força nuclear forte e a força eletrofraca.

A força eletrofraca é, na verdade, uma mistura de eletromagnetismo e força nuclear fraca. Esta mistura ocorre apenas quando o universo é muito jovem e, portanto, muito quente. Contudo, se o universo for muito jovem, a força eletrofraca se misturará com a força nuclear forte. Quando nosso universo tinha cerca de 10-35 segundos, a força eletrofraca forte se separou em força nuclear forte e força eletrofraca. Consequentemente, um episódio de inflação não pode começar em nosso universo até que o universo tenha 10-35 segundos de idade.

Um centésimo bilionésimo de trilionésimo de trilionésimo de segundo pode não parecer muito tempo, mas é tempo demais para tornar a mecânica hiperquântica de Krauss um “criador” viável do nosso universo. Este intervalo de tempo, embora extremamente breve, é 1067 vezes maior do que o tempo de duração para um universo como o nosso aparecer e depois desaparecer através do caminho quântico que produz partículas virtuais.

É importante notar aqui que muitos modelos viáveis de criação do big bang inflacionário (ou seja, aqueles capazes de explicar a possível existência de vida) preveem que o ato de inflação entre 10-35 e 10-32 segundos gerará um grande número de espaço-bolhas de tempo. Essas bolhas, entretanto, diferem do tipo gerado pela mecânica hiperquântica proposta por Krauss. Estas bolhas são geradas bem depois do evento de criação do nosso universo. Uma vez formadas pelo evento de inflação, elas nunca mais se sobrepõem. Isso significa que os humanos nunca poderão detectar a existência de qualquer uma dessas possíveis bolhas.

No entanto, embora não possamos provar a sua existência, podemos determinar que todas estas bolhas, se existirem, requerem um Agente causal transcendente. O teorema do espaço-tempo provado por Arvind Borde, Alan Guth e Alexander Vilenkin [6] estabeleceu que em todos os modelos inflacionários viáveis do big bang – não importa a quantidade de bolhas espaço-tempo que eles preveem – o universo e todas as suas bolhas estão sujeitos a um começo em tempo finito. A implicação é que eles requerem, portanto, um Agente causal além do espaço e do tempo para explicar a sua existência.

Na parte 2, continuarei esta crítica mostrando como as explicações teístas para o universo superam as naturalistas. Clique aqui e acesse a segunda parte.

Notas de Fim
  1. Lawrence M. Krauss, Um Universo que Veio do Nada (Paz e Terra, 2016), 191 {o número de página aqui se refere à edição original, em inglês, do livro}.
  2. Krauss, 173 {o número de página aqui se refere à edição original, em inglês, do livro}.
  3. Ibid.
  4. E. Komatsu et al., “Seven-Year Wilkinson Microwave Anisotropy Probe (WMAP) Observations: Cosmological Interpretation”, Astrophysical Journal Supplement 192 (fevereiro de 2011): id. 18; N. Jarosik et al., “Seven-Year Wilkinson Microwave Anisotropy Probe (WMAP) Observations: Sky Maps, Systematic Errors, and Basic Results”, Astrophysical Journal Supplement 192 (fevereiro de 2011): id. 14; E. Komatsu et al., “Five-Year Wilkinson Microwave Anisotropy Probe (WMAP) Observations: Cosmological Interpretation”, Astrophysical Journal Supplement 180 (fevereiro de 2009): 330–76.
  5. Stephen Hawking e Roger Penrose, “The Singularities of Gravitational Collapse and Cosmology”, Proceedings of the Royal Society of London, Series A 314 (1970): 529–48; Arvind Borde, Alan H. Guth e Alexander Vilenkin, “Inflationary Spacetimes Are Incomplete in Past Directions”, Physical Review Letters 90 (abril de 2003): id. 151301; Arvind Borde e Alexander Vilenkin, “Violation of the Weak Energy Condition in Inflating Spacetimes”, Physical Review D 56 (15 de julho de 1997): 717–23; Arvind Borde e Alexander Vilenkin, “Singularities in Inflationary Cosmology: A Review”, International Journal of Modern Physics D 5, n.º 6 (dezembro de 1996): 813–24; Arvind Borde, “Open and Closed Universes, Initial Singularities, and Inflation”, Physical Review D 50 (15 de setembro de 1994): 3692–702; Arvind Borde e Alexander Vilenkin, “Eternal Inflation and the Initial Singularity”, Physical Review Letters 72 (23 de maio de 1994): 3305–308.
  6. Arvind Borde, Alan H. Guth e Alexander Vilenkin, “Inflationary Spacetimes Are Incomplete in Past Directions”, Physical Review Letters 90 (abril de 2003): id. 151301.

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Etiquetas:
o que há além do universo - a partir do nada - física quântica


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