Vida estranha: A química da vida deve ser baseada em carbono?


Trecho da tabela periódica e uma célula biológica (Imagem meramente ilustrativa gerada por IA em Google Whisk - https://labs.google/fx/pt/tools/whisk)
Trecho da tabela periódica e uma célula biológica (Imagem meramente ilustrativa gerada por IA em Google Whisk)


por John Millan e Ken Klos
27 de abril de 2015

Nos primórdios da ficção científica televisiva, os alienígenas em séries como Jornada nas Estrelas (Star Trek) e Dr. Who geralmente se pareciam com humanos, com pequenas alterações nas características. Alguns tinham pele verde, outros tinham antenas, outros tinham cabeças maiores e assim por diante — nada muito complexo graças aos pequenos orçamentos de produção. Hoje em dia, alienígenas criados digitalmente em sucessos de bilheteria de Hollywood podem assumir qualquer forma, mas muitos ainda são apresentados como anatomicamente semelhantes aos humanos, tendo dois braços, duas pernas e uma cabeça com dois olhos, uma boca e um nariz. (Pense em Guardiões da Galáxia ou Avatar.)

É difícil para escritores imaginarem uma vida verdadeiramente diferente da vida terrestre. O livro que recebeu o prêmio de ter a forma de vida alienígena mais distintamente original é The Visitors (Os visitantes). Ele apresenta alienígenas benignos que parecem caixas retangulares pretas flutuantes com centenas de metros de comprimento. Isso sim é vida estranha!

A vida como a conhecemos na Terra utiliza moléculas construídas principalmente de carbono. Cientistas, no entanto, têm considerado a possibilidade de "vida estranha" — isto é, vida alienígena baseada em silício, em vez de carbono. As leis universais da química sustentam tal possibilidade? Antes de respondermos a essa pergunta, precisamos considerar por que a vida conhecida é baseada em carbono. (As informações apresentadas aqui são um resumo do nosso artigo mais longo sobre o assunto.)

Requisitos para a Química da Vida

Uma das características da vida é sua extrema complexidade química. Toda a vida deve ser capaz de absorver nutrientes e alimentos, converter alimentos em energia, remover resíduos, reparar ou substituir partes do corpo, reproduzir-se e assim por diante. Tais tarefas exigem a existência de um conjunto amplo e diverso de máquinas moleculares complexas. Inferimos, então, que qualquer elemento que sirva de base para a química da vida deve ser capaz de suportar uma vasta gama de estruturas químicas.

A química da vida também deve ser capaz de formar grandes estruturas poliméricas. Isso é importante por pelo menos dois motivos. Primeiro, usando apenas alguns blocos de construção diferentes, pode-se gerar uma gama infinita de formas moleculares estáveis, mas variáveis e intercambiáveis. Por exemplo, em organismos terrestres, as proteínas são polímeros feitos de cerca de vinte aminoácidos diferentes. As proteínas precisam ser enormes para desempenhar suas funções catalíticas precisas e, ao mesmo tempo, serem específicas o suficiente para não reagir com outras moléculas. Segundo, longas cadeias poliméricas são cruciais para a codificação da informação genética. Na vida na Terra, essa função é desempenhada pelo DNA, que é um polímero construído a partir de apenas quatro nucleobases (além de açúcares e fosfatos). Os organismos requerem uma enorme quantidade de informação genética para a reprodução, portanto, a capacidade de formar filamentos de comprimento quase ilimitado é absolutamente vital. Assim, a vida alienígena — mesmo a vida estranha — quase certamente requer a capacidade de formar polímeros longos, mesmo que os blocos de construção específicos sejam diferentes daqueles da vida na Terra.

As Propriedades do Carbono Essenciais à Vida

Os químicos identificaram pelo menos cinco características principais do carbono que explicam por que ele é excepcionalmente qualificado para servir de base para a química da vida. Três dessas propriedades são mostradas no contexto da tabela periódica (ver Figura 1).

  • Forma até quatro ligações simples. O carbono (e os outros elementos na mesma coluna) geralmente forma quatro ligações, enquanto outros elementos próximos formam três ou menos. Com exceção das moléculas hipervalentes (que discutiremos a seguir), isso representa o máximo efetivo em ligações, o que contribui para a capacidade do carbono de formar uma gama excepcionalmente ampla de moléculas.
  • Forma ligações duplas e triplas estáveis. O carbono pode formar ligações múltiplas fortes, o que aumenta consideravelmente o número de moléculas possíveis que ele pode formar. Em contraste, elementos nas linhas abaixo do carbono na tabela periódica, como o silício, geralmente não formam ligações múltiplas.
  • Forma compostos aromáticos. Moléculas aromáticas (em química, "aromático" não se refere ao aroma ou odor de uma molécula) são um caso especial de ligações múltiplas em sistemas de anéis que apresentam estabilidade química excepcional. Devido às suas propriedades químicas únicas, as moléculas aromáticas desempenham um papel importante em muitas moléculas biológicas — incluindo quatro dos vinte principais aminoácidos, todos os cinco ácidos nucleicos, bem como a hemoglobina e a clorofila.
  • Forma fortes ligações carbono-carbono. A ligação simples carbono-carbono é a mais forte entre os elementos localizados próximos a ela na tabela periódica. Isso tem duas consequências importantes para a vida. Primeiro, as biomoléculas à base de carbono são muito estáveis e podem persistir por longos períodos de tempo. Segundo, a autoligação estável (ligação carbono-carbono) permite a formação de anéis, cadeias longas e estruturas de cadeia ramificada que podem servir como a espinha dorsal estrutural de uma variedade estonteante de compostos.
  • Pode formar cadeias indefinidamente longas. O carbono é único entre todos os elementos em sua capacidade de formar polímeros gigantescos necessários para a informação genética, sem os quais a vida seria impossível.

Em conjunto, essas propriedades permitem que o carbono forme uma gama mais ampla de possíveis compostos químicos do que qualquer outro elemento — sem exceção. Para efeito de comparação, sabe-se que o carbono forma cerca de 10 milhões de compostos diferentes. De fato, o campo da química orgânica, que se concentra exclusivamente na química do carbono, é muito mais rico e diverso do que a química de todos os outros elementos combinados.


Canto superior direito da tabela periódica. (Imagem de John Millam em Reasons to Believe, refeita por Sobre As Origens)
Figura 1: Canto superior direito da tabela periódica mostrando algumas tendências importantes na formação de ligações. (Imagem de John Millam em Reasons to Believe, refeita por Sobre As Origens)


Estabilidade de Moléculas Baseadas em Carbono

O carbono limita-se a formar, no máximo, quatro ligações, mas seu primo, o silício, pode, sob certas condições, formar estruturas com cinco ou até seis ligações. Esses casos são chamados de hipervalentes. Embora isso dê ao silício uma pequena vantagem sobre o carbono, tem um preço alto — compostos de silício são geralmente muito mais reativos do que compostos análogos de carbono. Como o carbono não pode formar estruturas hipervalentes, suas estruturas são adequadamente estáveis para servir de base para a bioquímica. Os químicos Michael Dewar e Eamonn Healy concluíram que é isso que torna a vida possível. [1]

O Veredito Foi Dado: o Carbono é Especial

Em 1961, o físico Robert Dicke disse isso melhor quando declarou: "É bem sabido que o carbono é necessário para formar físicos". [2] Claramente, nenhum outro elemento pode sequer chegar perto de igualar as virtudes químicas do carbono. Enquanto aqueles que promovem o conceito de vida extraterrestre frequentemente criticam a visão da vida apenas com carbono, uma alternativa funcional apresentada em detalhes ainda não foi apresentada. [3] O bioquímico Norman Pace chegou a sugerir que, onde quer que a vida pudesse ser encontrada, ela estaria sujeita à natureza universal da bioquímica. [4] Ou, para colocar de forma mais simples, a vida que podemos encontrar em outros lugares provavelmente terá que ser baseada em carbono e, portanto, quimicamente semelhante (embora não idêntica) à vida na Terra.

Continuaremos explorando a possibilidade de vida estranha em artigos futuros.

Escritores convidados:

Dr. John Millam
O Dr. John Millam recebeu seu doutorado em química teórica pela Rice University, em 1997, e atualmente atua como programador na Semichem em Kansas City.

Ken Klos
O Sr. Ken Klos recebeu seu mestrado em estudos ambientais pela Universidade da Flórida em 1971 e trabalhou como engenheiro ambiental/civil para o estado da Flórida.


Notas de Fim

  1. Michael J. S. Dewar e Eamonn Healy, “Why Life Exists”, Organometallics 1, n.º 12 (1982): 1705–8.
  2. R. H. Dicke, “Dirac’s Cosmology and Mach’s Principle”, Nature 192 (novembro 1961): 440.
  3. Peter Ward, Life As We Do Not Know It: The NASA Search for (and Synthesis of) Alien Life (London: Penguin Books, 2005), 64.
  4. Norman R. Pace, “The Universal Nature of Biochemistry”, Proceedings of the National Academy of Sciences, USA 98 (30 de janeiro de 2001): 805–8.



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Etiquetas:
origem da vida - naturalismo


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