Hipernaturalismo: Integrando a Bíblia e a Ciência


Foto de Geoffrey Whiteway em www.stockvault.net
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Hugh Henry e Daniel Dyke
24 de março de 2014

Embora as visões do naturalismo e do sobrenaturalismo frequentemente coloquem ciência e religião uma contra a outra, o hipernaturalismo é proposto como uma alternativa que combina o poder divino e a lei natural. Espera-se que tal síntese de ciência e fé possa ajudar as pessoas religiosas a se tornarem mais receptivas à ciência, e colocar o cristianismo em uma estrutura lógica que o espírito científico possa aceitar.

Grande parte do “debate da criação” moderno se desenvolve em duas perspectivas concorrentes: naturalismo e sobrenaturalismo. O naturalismo, muitas vezes considerado o ponto de vista científico, afirma que o universo e todas as formas de vida surgiram por meio de processos naturais não direcionados. O sobrenaturalismo, considerado a visão religiosa, argumenta que um deus sobrenatural criou todo o universo e a própria vida.

Acreditamos que existe um terceiro ponto de vista que pode unir religião e ciência. Chamamos isso de hipernaturalismo.

Definindo termos

O hipernaturalismo pode ser considerado uma forma de criacionismo progressivo. Nós a definimos como o uso extraordinário da lei natural pelo Deus descrito na Bíblia. O hipernaturalismo postula que quando Deus criou o universo ex nihilo (do nada), Ele também criou as leis da natureza. Ele integrou a lei natural na ordem criada para fazer um universo com o que foi chamado de “autonomia relativa”. [1]

Deus, o Criador, está necessariamente fora do universo que Ele criou – portanto, Ele é capaz de controlar as forças da natureza. A lei natural é serva de Deus. Deus tem autoridade para usar as forças da natureza para implementar Sua vontade. Assim, através do hipernaturalismo, muitos dos milagres de Deus podem ser explicados como uma combinação de poder divino e lei natural. Quando Deus age de forma hipernatural, Ele emprega a lei natural e os fenômenos naturais de uma maneira extraordinária para realizar Sua vontade. Isso abrange um timing extraordinário (incluindo a duração e o horário de início e parada), uma seleção extraordinária de local e/ou magnitude extraordinária (incluindo gravidade e intensidade). Um evento não é necessariamente hipernatural porque é extraordinário; é hipernatural que Deus exerça controle extraordinário para um propósito particular (já que Seus milagres sempre têm propósito).

Hipernaturalismo x Sobrenaturalismo

O hipernaturalismo difere do sobrenaturalismo, que pode ser comparado à filosofia do criacionismo da Terra jovem. Se Deus age de forma sobrenatural para efetuar Sua vontade, Ele opera fora da lei natural, anulando as leis da física, como a gravidade e a segunda lei da termodinâmica.

A compreensão cristã usual de um milagre é que Deus sobrenaturalmente produz algo que de outra forma seria impossível. Um deus onipotente certamente pode fazer isso – mas o hipernaturalismo poderia fornecer uma demonstração ainda maior do poder de Deus. Um milagre sobrenatural superando as forças da natureza mostra que Deus tem maior poder do que a natureza – mas também pode implicar que a natureza é adversária de Deus. Tal representação era típica dos mitos antigos, nos quais divindades pagãs representando forças da natureza competiam para provar quem tinha maior poder.

Em contraste, um milagre hipernatural demonstra que Deus criou as forças da natureza para servir aos Seus propósitos. Isso é evidente em Gênesis quando Deus ordenou que a Terra e as águas “produzissem” vegetação e animais, respectivamente, e a natureza obedeceu (Gn 1:11, 20, 24, ARC).

Antes da revolução científica, quando a humanidade podia observar, mas não explicar fenômenos naturais, parecia lógico acreditar que Deus agia sobrenaturalmente. As pessoas acreditavam que a chuva (ou a falta dela), a fertilidade e outros fenômenos naturais eram a vontade sobrenatural de Deus em ação. Hoje reconhecemos as leis naturais e podemos explicar muitos milagres como o uso extraordinário dessas leis por Deus.

Separação do Mar Vermelho: Um Milagre Hipernatural

A Bíblia  descreve explicitamente  alguns dos milagres de Deus como resultado da atividade hipernatural. Um exemplo é a divisão do Mar Vermelho (Ex 14:21-28) – um dos maiores e mais importantes milagres de Deus. As Escrituras afirmam que Deus fez isso de forma hipernatural, causando um vento extraordinariamente forte em um momento extraordinário em um lugar extraordinário:

Moisés estendeu a mão sobre o mar; e o Senhor varreu o mar  com um  forte vento oriental durante toda a noite e transformou o mar em terra seca, de modo que as águas se dividiram. Os israelitas entraram pelo meio do mar em terra seca ... Então, Moisés estendeu a mão sobre o mar, e este retomou a sua força ao amanhecer, e os egípcios fugiram, indo de encontro ao mar (Ex 14:21-22a, 27a, A21).

Esta cena pode descrever uma maré de tempestade, um fenômeno bastante comum; tempestades de até 48 pés foram registradas. [2] Em 1990, o meteorologista Allan Brunt descobriu que tal maré de tempestade era plausível na extensão norte do Mar Vermelho. [3]

Alternativamente, a separação pode ser comparada a um “ajuste do vento”, como observado no Lago Erie e na Flórida. Em 2010, os cientistas atmosféricos Carl Drews e Weiqing Han relataram um conjunto de experimentos modelo que demonstraram a plausibilidade do relato bíblico baseado em um vento estabelecido em uma antiga lagoa costeira na área do Êxodo, onde um vento forte foi registrado em 1882. Eles estimaram que um vento leste uniforme de 63 milhas/h produziria uma ponte de terra “3 - 4 km de comprimento e 5 km de largura, e permaneceria aberta por 4 horas”. [4]

Esses dois artigos revisados por pares demonstram que é cientificamente plausível que a narrativa bíblica descreva corretamente um milagre hipernatural.

Manipulando Probabilidades

Outro aspecto dos milagres hipernaturais é o poder de Deus de manipular a natureza superando probabilidades ridiculamente pequenas dentro da lei natural. A história de José é um exemplo. Era extraordinariamente improvável que José pudesse passar de escravo a prisioneiro, a segundo em comando do Egito, a salvador de sua família – mas Deus fez isso acontecer sem qualquer evidência direta de Seu envolvimento (Gn 37-50, especialmente 50:19-20). [5] O mesmo vale para outras histórias, como a unção do rei Saul (1 Sm 10), a moeda para pagar o imposto do templo de Jesus encontrada em um peixe (Mt 17:24-26) e outras. Nesse contexto, uma leitura direta do texto bíblico sugere que muitos milagres são de fato hipernaturais ou, pelo menos, potencialmente hipernaturais.

Para encerrar, enfatizamos que o hipernaturalismo não é um conceito novo, nem é a única ferramenta de Deus para interagir com o reino natural. Em vez disso, esta é uma reafirmação das crenças cristãs ortodoxas em um contexto moderno – uma que esperamos que permita que os religiosos e os científicos encontrem um terreno comum, mantendo uma visão elevada tanto da ciência quanto das Escrituras.

Em artigos futuros, elaboraremos outros aspectos do hipernaturalismo e examinaremos os detalhes de milagres hipernaturais específicos.

Daniel J. Dyke, MDiv, MTh

Daniel J. Dyke recebeu seu Mestrado em Teologia pelo Seminário Teológico de Princeton em 1981 e atualmente atua como professor de Antigo Testamento na Cincinnati Christian University, em Cincinnati, OH.

Dr. Hugh Henry, PhD

Dr. Hugh Henry recebeu seu PhD em Física pela University of Virginia em 1971, aposentou-se após 26 anos na Varian Medical Systems e atualmente atua como professor de física na Northern Kentucky University em Highland Heights, KY.


Notas de fim
  1. CB Kaiser, Creation and the History of Science (William B. Eerdmans: Grand Rapids, MI, 1991), 15.
  2. Jeffrey Masters, “World Storm Surge Records,” Weather Underground, data de acesso em 12 de março de 2014,  https://www.wunderground.com/hurricane/surge_world_records.asp.
  3. Allan Brunt, “The Red Sea Crossing: A Meteorologist's View”, Investigator 14 (setembro de 1990), https://ed5015.tripod.com/BRedSeaCrossing.htm.
  4. Carl Drews e Weiqing Han, “Dynamics of Wind Setdown at Suez and the Eastern Nile Delta”,  PLoS ONE 5 (30 de agosto de 2010): e12481. Veja também Jeff Zweerink “Talvez a Bíblia estivesse certa sobre o Êxodo”, Today's New Reason to Believe (blog), última modificação em 29 de setembro de 2010, https://www.reasons.org/articles/maybe-the-bible-was-right-about-the-exodus.
  5. Na teologia, isso é muitas vezes referido como deus absconditus, no qual Deus é a causa de vários eventos sem qualquer evidência direta de Seu envolvimento. No entanto, na conclusão do evento, os resultados são de tal magnitude que a orientação de Deus é facilmente inferida.

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* As citações de traduções bíblicas na língua inglesa foram substituídas pelas melhores equivalências entre as traduções na língua portuguesa disponíveis no Brasil.


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artigo traduzido - criacionismo (progressivo) da Terra velha/antiga - old Earth creationism - Hugh Ross - razões para crer, acreditar - apologética/defesa da fé cristã - evangelismo


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